Fiji gigante

Estariam os Tops preparados

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Acostumado com grandes tubos, Stephan Figueiredo, na época, optou por uma prancha menor. “Foi minha primeira vez em Cloudbreak e usei uma 7’10”.
Foto: © WSL / Kirstin
 Foto: © WSL / Kirstin


Em 2012, quando a ASP tomou a difícil e polêmica decisão de paralisar o Fiji Pro no auge do swell, alguns dos melhores freesurfers e big riders do mundo estavam a postos em Cloudbreak e pegaram tubos gigantes e perfeitos que chegaram a 20 pés. 

Estariam hoje os Tops do CT preparados para competir em condições extremas?

Relembre abaixo como foi aquela sessão histórica e dê sua opinião sobre o assunto.

Manhã de 8 de junho, sexta-feira, Fiji. O tão esperado e monitorado swell começou a bater na bancada de Cloudbreak. Medina chegou, olhou, entrou e descobriu que as ondas estavam bem maiores do que ele imaginava. Tomou uma bomba varredora. Depois várias, sem a prancha. Owen Wright, que mais tarde surfaria o tubo da vida, segundo ele, encontrou Medina durante o caldo, entre os corais e o turbilhão que os contorcia. Depois de nadar muito, Medina recuperou a prancha e tomou outra série. O resto da história vocês já sabem. Duas últimas baterias do 2º round no mar e o Volcom Fiji Pro entrou em compasso de espera. Raoni havia sido esmagado na última disputa tentando sair de um tubo de 12 pés com a prancha 8 pés emprestada do Kala Alexander. O teto do lip desabou como uma laje sobre ele na perigosa zona do “ShishKebab” (seção do inside tão rasa que parece um ralador de carne). Ninguém mais pegaria outro tubo naquela parte da bancada pelo resto do dia. Kai Otton venceu a bateria, mas, depois de passar pelo pior caldo da vida, teve que escalar a cordinha da prancha para chegar à tona e ser resgatado pelo jet. Saiu do mar antes de a bateria acabar. Os competidores estavam desesperados em busca de pranchas grandes, maiores, enormes, como as ondas que teimavam em crescer. O vento estava estranho. Os organizadores resolveram parar o campeonato por 30 minutos, depois mais 30. Às 13 horas uma série parecia anunciar o ápice da ondulação gigante. O horizonte estava se movendo para o alto. Nathan Fletcher tentou remar, mas a verdade é que ninguém estava posicionado para uma bomba tão grande. A de trás era maior. Jogou seu lip como se estivéssemos em Teahupoo, quase tão pesada quanto, só que mais perfeita, um indomável expresso azul correndo pela bancada. Nunca imaginei ver algo assim. Muita gente foi varrida e resgatada pelos jets. Daí em diante ninguém sabia o que fazer com o evento. De dez em dez minutos uma série dessas bombava. Evento cancelado. O vento virou meia hora depois. O mar agora estava perfeito, se você estivesse no lugar certo com a prancha certa. Daí, temos duas histórias. 

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Mark Healey confortável onde a maioria não saberia o que fazer com tanta perfeição e pressão. Ele pegou algumas das melhores ondas desse dia inesquecível em Cloudbreak e mesmo assim quase se afogou duas vezes. Foto: Brian Bielmann


Kuru kuru mai lagi, o trovão dos céus
Esse é o verdadeiro nome (fijiano) das vagas que explodem em Navula Reef, a bancada que recebeu as ondas grandes mais perfeitas do mundo. Call Off, do evento, Call On do show. Ian Walsh confirmou: “Essas são as ondas grandes mais incríveis que já vi. Acho que foi o melhor dia de ondas grandes que já surfei”. A bancada sustentou uma perfeição raras vezes vista em ondas lá pelos 20 pés. Tubulares, longas, rápidas a ponto de chegar ao limite da velocidade de pranchas que podiam descê-las na remada. “Hoje foi um dia histórico no surf de ondas grandes. Nunca presenciei tantas ondas e performances tão incríveis num mesmo dia. As condições estavam impecáveis o dia todo”, disse Greg Long. O grupo de big riders de várias partes do mundo que chegou pela manhã a Cloudbreak invadiu o line-up. Entre figuras como Mark Healey, Danny Fuller, Kala Alexander, Makua Rothman, Kohl Christensen, Kalani Chapman, Twiggy, Jeff Rowley, Peter Mel ou Danilo Couto estavam alguns Tops da ASP. Mick Fanning, Owen Wright, Joel Parkinson, Ace Buchan, Yadin Nicol, Taylor Knox, John Florence, irmãos Hobgood e Gudauskas pegaram seus tubos. Tiveram sua dose de adrenalina, mas não seriam os “campeões” daquele dia. Dizem que Kelly caiu no fim de tarde. Pranchas ele tinha, mas não sei ao certo se entrou. A real é que os destaques foram os sujeitos que se dedicam à arte de surfar ondas realmente grandes. Além de gunzeiras acima dos 9 pés e coletes salva-vidas, eles vivem para isso e treinam para lidar, sobre e sob, um volume de água e intensidade fora do normal. Ramon Navarro, sentado lá no fundo da bancada, dropou várias. Pegou um tubo tão profundamente cavernoso quanto perfeito. Ficou lá dentro uma eternidade e saiu depois da baforada, vibrando sobre sua 10 pés. Quase ninguém acreditou que ele completaria aquela bomba de 20 pés. Reef McIntosh traçou sua linha por um túnel que parecia mais uma daquelas inimagináveis e desproporcionais ondas pintadas nos quadros do Hilton Alves. Jensen Hassett, acostumado com o pico, chegou a pegar três tubos numa só. Pat Gudauskas completou um drop tão vertical que mereceria nota 9, mesmo sendo varrido na sequência pelo lip do expresso. Era como o sonho realizado de transformar surfistas em formigas para surfar ondinhas perfeitas na beira de um rio. O nível de comparação, quando falamos em tubos, nunca mais será o mesmo. As cenas mais lindas e bizarras estavam sendo transmitidas ao vivo pelo webcast e isso ajudou a causar a polêmica que nos leva ao outro lado da moeda. 

          “OU VOCÊ SE PREPARA PARA SER UM TOP OU PARA SER UM BIG RIDER.”

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Lapinh foi um dos quatro brasileiros no mar e pegou bons tubos, mas pagou o preço. Foto: © WSL / Kirstin


Por que parou?
Matt Wilson, diretor de prova, Richie Porta, chefe dos juízes, vários atletas e a organização tiveram que lidar com uma situação que parece ter se tornado a maior frustração dos fãs da ASP e do surf profissional. Eu, assim como Richard “Woolly” Woolcott, dono da Volcom, fiquei inconformado com a decisão que caiu como uma bomba. Depois, analisando tudo o que aconteceu, mudei de ideia. Ele também. Vamos por partes. Naquela hora o mar estava estranho e prometia crescer. Depois poderia ser extremamente perigoso tirarem todo o equipamento necessário para a realização das baterias no dia seguinte, em Restaurants, se não tomassem a decisão naquela hora. Isso parece ter influenciado o andamento da carruagem. Mas não foi o ponto central da história.

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Dave Wassel disse que essas foram, sem dúvida, as ondas grandes mais perfeitas que já surfou. Foto: Stuart Gibson

Cloudbreak não é um line-up comum. Há um espaço de quase dois campos de futebol onde você pode se posicionar e esperar a sua onda naquelas condições. Com 30 caras no mar alguém quase sempre estava no lugar certo para pegar a onda da vida. Foi um show. Mas numa bateria teríamos muitas ondas desperdiçadas. Aquele cenário era para outro tipo de exibição (infelizmente) ainda não adaptada aos moldes desse Tour. Numa bateria os objetivos são outros e, com apenas dois atletas, havia a possibilidade de ninguém ir na onda boa, até mesmo não pegar nenhuma ou, no desespero de pontuar, se colocar em risco e ser varrido por uma série, levando muito tempo para voltar ao outside. Stephan Figueiredo, um dos brasileiros no mar, disse o seguinte: “Acho que tomaram a decisão certa. Surfar ondas assim é muito fácil na foto, no vídeo, de casa! Quem está ali, mesmo no canal, sabe e sente que depois de um tubo ou de tomar uma vaca daquela proporção é normal ficar adrenalizado, precisa de tempo para o corpo e a cabeça voltarem a ter sintonia. Quem corre o Circuito não está preparado para esse tipo de situação”. Pois é, nem tem esse tempo. Numa bateria você não pode esperar tanto. John John surfou alguns tubos memoráveis, com a prancha enviada do Hawaii por Pancho Sullivan, aos 45 do segundo tempo, só que ele teve o dia todo para encontrar cada uma delas. À noite, confessou: “Isso é outro esporte”. “Notei que muitos dos melhores do mundo de ondas grandes pegavam uma ou duas boas, no máximo, e saíam do mar. Vi muitos, depois de passar perrengue, irem para o canal e abandonarem a sessão. Todo mundo ali quer pegar onda boa, mas ninguém quer morrer, sabem que arriscar demais tem preço!”, completou Stephan.

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Ian Walsh fez valer todos os anos de treino para surfar ondas assim. Foi um dos destaques pegando várias durante o dia épico e usou o pacote completo: prancha, colete, experiência, coragem… Foto: Joli

Peter Mel disse que nem em Maverick’s ele havia experimentado um caldo tão intenso. Healey quase se afogou duas vezes. Boa parte daqueles mais de 30 especialistas tinha equipamento adequado, incluindo colete flutuador, e mesmo assim passou por enormes perrengues. E se alguém se machucasse seriamente ou morresse? Como a ASP seria responsabilizada? Lembrou Renato Hickel, Tour Manager da ASP. Kala, que emprestou pranchas para muita gente, inclusive uma 8 pés que o Fanning partiu, foi claro: “As pessoas não entendem que há um sério risco de morte ali. Nem todo mundo está preparado para lidar com esse tamanho de onda e com o equipamento necessário. Só porque você é um excelente surfista não quer dizer que você queira arriscar a vida. Para algumas pessoas isso não seria divertido. Acho que não temos que julgar ninguém. Quantas vezes as ondas ficam assim tão grandes e perfeitas? Não muitas. Isso é intimidador. Eu estava assustado também”. Você treina para uma coisa ou para outra. Taj Burrow, assim como vários outros Tops, nunca pisou numa prancha com mais de 8 pés, segundo declarou o próprio.

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Pat Gudauskas protagonizou o drop mais insano do dia, mas não conseguiu virar a tempo de chegar à parede e foi varrido. Foto: © WSL / Kirstin

Fanning normalmente representa a opinião dos atletas diante da ASP e, apesar de não ter participado diretamente da decisão, declarou: “Acho que foi uma decisão acertada. Ondas assim demandam preparação específica. No passado, se o swell estava fora de controle, surfávamos em Restaurants. Esse foi o motivo de eu não arrumar nenhuma prancha realmente grande. Nem todos teriam acesso ao equipamento necessário e muitos teriam que se virar nessas ondas com pranchas menores do que o necessário, ou usando equipamento que não conhecem. Isso seria perigoso. Quando eu estava remando para fora percebi um monte de caras de ondas grandes usando finos coletes salva-vidas. Me senti um idiota por não ter um. Senti que estava arriscando a minha vida e a do pessoal do resgate. Isso é sério. Acho que o debate sobre a decisão vai continuar para sempre. No Tahiti, só podemos remar em Teahupoo até determinado tamanho, antes de precisar de assistência dos jets. Mas, em Cloudbreak, agora sabemos que, com o equipamento certo, poderíamos surfar ondas como essas. Creio que no futuro, se as previsões forem parecidas com as que tivemos por aqui, numa janela do evento, todos no Tour estarão devidamente equipados e pronto para dropar”.

No fim das contas fiquei feliz em ver aquele bando de destemidos ter seu dia glorioso transmitido ao vivo para o mundo todo. Se a organização tivesse esperado mais meia hora antes de cancelar o evento, pode até ser que rolasse o campeonato, mas não acredito que teríamos assistido ao melhor show de surf dos últimos tempos.

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Mark Healey voa alto em Cloudbreak.
Foto: Brian Bielmann