Leitura de Onda

Doze de 2012

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Marcos Monteiro, o super-herói de Saquarema. Foto: Ricardo Altoé.

Já contei certa vez que tenho uma história com o número 12. Fiz 40 no dia 12 do 12 do 12, tenho uma empresa chamada 12+ e guardo no baú particular uma pá de coincidências esquisitas que envolvem o mítico número base do nosso sistema duodecimal.

Este ano, o apocalíptico 2012, Kelly Slater estava pronto para selar um acordo eterno com o numeral. Seria campeão pela 12ª vez em 2012 aos 40 anos. Mas quis o destino que ele permanecesse ancorado no velho número 11.

Sem querer, ele deixou o número nas mãos de pobres mortais, de camisas 12 arquibaldos, de torcedores anônimos do esporte que ele desde sempre liderou.

De posse do número, achei conveniente fazer uma lista dos 12 momentos que mais me marcaram em 2012, antes que o ano acabe e tudo volte a ser estranhamente ímpar. Tomei a liberdade de não respeitar qualquer critério, cronologia ou lead, apenas aquilo que eu reparei e guardei na memória.

Abaixo, um extrato livre e descompromissado de minhas lembranças.

– Joel Parkinson, alternando a solidão e o conforto da família, assiste ao filme de sua vida nos minutos que restam da semifinal em que Slater perdeu o título mundial. Logo que a sirene toca, é possível ver uma bigorna bem pesada finalmente deixando as suas costas. Ao abraçar a família e os amigos, notadamente Joel Parkinson é outro homem.

– Kelly Slater teve um ano primoroso. Venceu três etapas, mas, em Fiji, especialmente nas finais, mostrou a genialidade que todos sempre esperam ver. Entubou como quis e foi além, com um repertório mágico: viradas, rasgadas e batidas de backside em seções inimagináveis. Inspirador. Depois, no barco, quase estragou todo o seu show.

– Adriano estava impossível em Snapper. Começou o ano nitidamente mais forte, mais rápido e com mais potência que seus adversários. Perdeu uma das finais mal julgadas do ano. Lembro-me especialmente de uma entrevista pós-bateria lá pelas quartas, quando Mineiro já forçava os australianos a declararem seu favoritismo. O jornalista, em busca da eterna pegadinha com brasileiros, lembrou das condições ruins do mar, e Adriano, de bate-pronto, falou de Portugal 2011.
 
– Mineiro venceu J-Bay, mas ali quem encantou foi outro cara: Heath Joske. Num mundo dominado por exigências equivocadas de performance, um sujeito oferece ao mundo uma visão estendida do que é o esporte, com curvas suaves, projeções subversivas, soul archs e muita estética. Um artista.

– Medina celebrou sua maior vitória até hoje com o vice em Portugal. O mundo inteiro ficou incomodado com o resultado, e o brasileiro consolidou sua posição de surfista que vai em busca do título, queiram ou não os outros.

– Ainda sobre Portugal 2012: os degraus do palanque, no momento da premiação, guardaram muito mais que lágrimas de Medina. Ali, ao descer a escada, um surfista que disputa o título se posicionou publicamente contra uma decisão da ASP, no meio de um evento do seu patrocinador. Uma atitude difícil de ser digerida, digna do mundo real.

– Medina no Hawaii. O garoto parece decidido a enterrar de vez a velha fama do brasileiro. Atacou Sunset de forma criativa, incomodou bastante os juízes com o tubo + rasgada nos instantes finais. Em Pipeline, passaria diretamente às quartas se não houvesse uma prancha quebrada de Slater no meio do caminho, na saída do tubo. Os juízes, mais uma vez, não lhe concederam clemência.

– Dia 5 de janeiro, em Peahi: muita gente nem ouviu falar, mas o surf foi, num certo sentido, reinventado nessa data. Depois das primeiras incursões na remada, de Danilo e seus amigos, em Jaws, nas temporadas passadas, o início do ano reservou uma sessão histórica. A atitude dos locais e dos melhores do mundo em ondas gigantes determinou que, a partir dali, o surf naquelas condições, com 20 pés havaianos, teria que ser praticado com pranchas de remada.

– Greg Long, certamente um dos cinco melhores surfistas do mundo em atividade, apaga em Cortes Bank. Seu depoimento é de uma contundência aterrorizante. Greg foi salvo pelo uso correto do jet-ski, como instrumento de resgate. Renasceu.

– O fôlego de Marcos Monteiro estava em dia, graças a Deus. Aldemir Calunga foi salvo de um afogamento quase certo no México graças à super preparação do surfista e bombeiro guarda-vidas do Rio de Janeiro. Não foi um caldo tão glamoroso quanto o de Greg Long, a onda não assustava. Mas a história, o currículo, as atitudes positivas e o drama vivido por Calunga fizeram o mundo do surf ficar em suspenso com os dias de coma. Calunga viveu e contou a história, num final feliz.

– Raoni Monteiro foi abençoado ao ser um dos únicos a competir no dia mais pesado da história de Fiji no WCT, antes de os organizadores interromperem o evento. Veio uma bomba, ele virou, dropou e, diante de uma enorme massa d’água à sua frente, botou no trilho sem medo. Fez o que se espera se um herói, de um campeão de verdade. Pagou um preço alto na saída, mas a ASP reconheceu o seu esforço e lhe concedeu um dos wild cards de 2013. Merece a vaga, merece um bom patrocínio.
 
– A última é para leitores que na última semana vociferaram na coluna que dediquei a Mansour, leitor de verdade, surfista de alma e trabalhador, que, como nós, ama o esporte. Eu sou um defensor cego da diversidade de opiniões, com uma condição básica: que a divergência se restrinja ao campo da discussão de idéias. Não à toa, fiz questão de publicar a carta de um leitor, mesmo sem concordar com parte do que estava escrito. Acredito no contraditório como elemento de aprofundamento, de geração de novas soluções. Para aqueles que debateram educadamente, meus parabéns. Para os outros, recomendo maracujina e um 2013 mais afeito a diferenças.   

Tulio Brandão é jornalista, colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou nove anos no Globo como setorista de meio ambiente e outros três anos no Jornal do Brasil, onde cobriu surf e outros esportes de prancha. Atuou ainda como gerente de Sustentabilidade da Approach Comunicação. Na redação, ganhou dois prêmios Esso, um Grande Prêmio CNT e um Prêmio Abrelpe.

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".