Maicol Santos

Mudança radical

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Maicol Santos, surfista profissional nascido em Ubatuba, cresceu entre os tubos do Félix e as direitas expressas de Itamambuca, no litoral norte paulista. Já foi muito rebelde, um bicho do mato, como ele mesmo gosta de dizer. Mas hoje os tempos são outros e Maicol, além de técnico de surfe, realiza dois trabalhos sociais com crianças carentes da cidade em que cresceu. De aluno a professor, o surfista bronco deu lugar ao técnico atencioso.

 

Na entrevista a seguir, Maicol fala sobre localismo, amadurecimento e outros assuntos.

 

Você nasceu e cresceu em Ubatuba, certo?

Isso, nasci no Prumirim e aos dois anos fui morar no Félix. Depois, aos 16, minha família se mudou para a vila de Itamambuca.

 

Como conheceu o surfe?

 

Foi através do Zecão, há cerca de 20 anos. Ele decidiu montar uma escola de surfe e convidou toda a molecada. Chegou e disse: “Galera, amanhã vai abrir uma escolinha de surfe no canto de Itamambuca, aparece lá todo mundo!”. Eu pensei:  “Bacana, vamos lá”. E então, desde o primeiro dia a gente está aqui na escola.

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Maicol onde tudo começou, na Escola do Zecão. Foto: Fi Burjato.

 

Como você enxerga o localismo?

 

Eu vou falar pra você, eu sou local e já tive minha rebeldia de achar que eu era o dono daqui, que as ondas eram minhas e tal. O localismo vai acontecer em qualquer lugar do mundo. Lógico que a gente vê quem chega aqui e é de fora, mas respeita o pico, curte a praia e leva seu lixo embora no fim do dia. Claro que esse cara vai ser respeitado aqui. Do mesmo jeito que eu já fui pra lugares em que o localismo é super forte, mas eu soube ganhar o reconhecimento dos locais de lá. Você precisa respeitar pra ser respeitado, isso é primordial. Aqui, no Havaí, na Austrália ou em qualquer outro lugar, você precisa saber respeitar o próximo.

 

E como fica o localismo com a popularização do surfe hoje em dia?

  

Hoje todo mundo quer surfar. Em uma semana eu faço qualquer um virar “local do pico”, isso não existia antes, essa confiança de alguém que não é daqui conseguir entrar no pico, pegar a melhor onda do dia, se enturmar com a galera daqui, era impossível acontecer. 

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Maicol Santos: o local bravo amadureceu, hoje recebe os visistantes e ensina a importância do respeito mútuo. Foto: Arquivo pessoal.

Mas, eu sempre tento passar o lance da hierarquia. As mulheres, os mais velhos e as crianças vão ter sempre preferência. O verdadeiro local hoje é aquele que ajuda, que mostra, ensina mostrando como faz, transmite seu conhecimento, é verdadeiro, sincero. Eu sou pai, há seis anos minha filha nasceu e estou mais maduro. Mas no passado, como qualquer outro rebelde e local, eu era o bicho do mato que acha que o pico é dele porque quando está grande só a gente que surfa, quando está mexido, ventando e balançando ninguém quer, então rola muito isso. Mas hoje, graças às escolas de surfe e à conscientização da galera local, muita coisa mudou.

 

Como é seu trabalho social com as crianças locais?

 

No passado eu fui um aluno e reconheço a importância do trabalho de Zecão, por exemplo. Hoje, participo de um projeto chamado “Liga Norte”, que pertence ao Instituto Bacuri, no qual duas vezes por semana as crianças vêm até o CERE (Centro Esportivo e Recreativo de Itamambuca) e, junto com Marcus, professor de educação física, monitoramos a prática do surfe, fora e dentro d’água. Ao término, voltamos para a sede e servimos um lanche balanceado, e então eles voltam pra casa. O outro projeto é uma iniciativa em conjunto com a Prefeitura Municipal que inclui o surfe no horário letivo. Semanalmente, os alunos têm aulas de surfe, no lugar da educação física convencional.

 

De competidor para professor, como foi essa transformação?

 

Hoje sou coach, mas ainda sou surfista profissional, “paguei a taxa” (risos). É bom eu continuar envolvido com o surfe de competição, até mesmo para poder passar para a garotada que eles precisam se “coçar” muito se quiserem mesmo seguir carreira no surfe.

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Maicol Santos ainda pode ser visto quebrando na água. Foto: Lucas Alexandre.

 

Você acompanha o aluno no “outside” o tempo todo se comunicando com ele, botando pilha, olhando no olho, como é isso?

 

Pra mim é muito gratificante, eu aprendi assim, na verdade. Com Zecão e “Morro Boy” (um dos locais mais conhecidos do pico), que não davam descanso pra molecada, era uma onda atrás da outra. Duas horas fazendo um revezamento mesmo entre os garotos, um rodízio, aparecia um ele empurrava, vinha outro moleque da Vila (vila de itamambuca) ele empurrava, ficava esse circuito de duas horas surfando sem parar e eu acabei ficando acelerado. O fato de estar junto é muito importante. Para um pai que está com o filho querendo aprender a surfar, poder confiar a segurança do filho a alguém que saiba, conheça o pico, é muito importante. Um mar maior, perto das pedras, os pais têm receio de deixar os filhos sozinhos. Uma coisa que eu aprendi desde pequeno, com os 40 anos de pesca do meu pai, ele sempre ensinou a observar o mar, saber identificar pra onde a correnteza está puxando.  Então isso eu sempre tento passar também pra quem está aprendendo a surfar. Porque se você entende do mar, você vai ser um bom surfista, se você sabe realmente, e respeita o mar como ele deve ser respeitado, com certeza você vai se tornar um bom surfista.

 

Hoje, com a inclusão do surfe nas Olimpíadas, é mais um fator que aumenta a popularidade do esporte e cada vez mais vai haver procura. Mas será que todos têm aptidão pra coisa?

 

Se eu te falar você não vai acreditar, mas eu te garanto que se a pessoa se propor a treinar, fazer um trabalho forte, dá pra evoluir muito, temos que corrigir os detalhes, o trabalho fora da água, consciência corporal, é muito importante.

 

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Maicol Santos mostrando o que sabe. Foto: Arquivo pessoal.

É importante se ver surfando?

 

É importante, nas não é todo mundo que tem a capacidade de corrigir na água um movimento errado, mesmo tendo visto isso no vídeo minutos antes. Por isso que é importante o acompanhamento do coach na água. Eu falo com meus alunos quando eles estão remando pra pegar a onda: “Olha o pé, presta atenção” e tal. Isso faz a diferença. Todos nós temos um dom só temos que aprimorar com a prática, não existe segredo.

Tivemos apenas uma etapa do Brasileiro Feminino e nenhuma etapa do circuito profissional masculino. Como você vê o cenário do surfe hoje no Brasil?  

 

Ainda bem que nesse momento eu assimilei essas duas funções, coach e surfista de competição, e eu ainda consigo viver do surfe, porque se eu fosse depender só da competição eu teria parado. Como muitos profissionais que hoje em dia deixaram de competir. É triste.

 

Tem esperança de que melhore?

 

Ah, esperança eu tenho, claro, e acredito que se cada um fizer a sua parte, sem mexer na do outro, sem querer levar vantagem, eu acho que dá pra se virar, sabe? Aqui em Ubatuba, com  dois atletas no circuito mundial, Filipe Toledo e Wiggolly Dantas, graças ao Guigui, que trouxe o feminino, uma estrutura animal, uma repercussão na mídia incrível, todo mundo comentou desse campeonato. Então, se cada um fizer o seu, poxa, dá pra melhorar.