Leitura de Onda

Construtor de déjà vu

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Mick Fanning derrota Kelly Slater na final do Quiksilver Pro 2010 e põe fogo no circuito mundial. Foto: Eric Chauche / Quiksilver.com.

Antes de entrar na água, na final da parada francesa do tour contra Kelly Slater, Mick Fanning deve ter lembrado de cada uma das quatro finais perdidas para o americano desde 2003. A última delas rolou este ano, quando o homem de Krypton inventou um alley-oop mesmo com o pé fraturado na decisão de Bells.

Um surfista comum, na areia francesa, teria sucumbido à pressão. E não seria só pelo histórico desfavorável. Fanning estava prestes a entrar na água para competir contra o líder do ranking, faminto pelo décimo título mundial, e dono da única nota 10 do evento, com uma performance arrebatadora, em que provou ser possível sair e voltar ao trilho dentro do tubo.

Mas ninguém levanta dois canecos da ASP por acaso. Fanning tem, além da absurda técnica, três atributos indispensáveis a um campeão: capacidade de aprender com erros, precisão e uma confiança inabalável. A cada derrota, vejo nele mais vontade de ganhar.

Fanning sabia que, no assustador liquidicador de tubos francês, dividia o favoritismo com  Slater: se o americano tinha uma nota máxima, ele ostentava a melhor média do evento. Guardava ainda outros
títulos para pesar na comparação: o de vencedor da etapa em 2009 e, claro, o de atual campeão mundial. Não é pouca coisa.

Ele deve ter sido ajudado também pela lembrança de 2009, quando a vitória na França foi o ponto de partida de sua incrível reação em cima do amigo Joel Parkinson. Claro, Fanning foi beneficiado por uma contusão do amigo, mas título é título.

Os dois entraram num mar em fúria digno das piores ressacas brasileiras, sem canal nem perdão. Ondas pesadas, uma arrebentação impossível de ser vencida por mortais e a chance de um tubo largo no fim. Fanning encontrou o pote de ouro depois da tempestade e marcou 16.9 pontos, contra magros 6,74 de Slater. O americano não achou a onda vencedora na final.

Fanning deve ter saído da água com uma saborosa sensação de déjà vu, louco para ver a história da temporada de 2009 se repetir com novos atores a partir da França. Só não sei se Slater concorda em participar dessa trama psicológica.

A vitória do australiano fez bem ao campeonato. Se Slater vencesse, abriria uma distância desanimadora para seus adversários. Agora, além de Fanning, ainda permanecem vivos na disputa Jordy Smith – apesar da queda decepcionante de rendimento nas últimas duas etapas – e o sempre
presente na lista de candidatos ao troféu, Taj Burrow.

Jadson André mais uma vez surfou bem. O garoto tem hoje um surf mais valorizado que o de seu companheiro de luta Adriano Mineirinho. Perdeu na quinta fase mesmo com um high score na conta, porque não achou uma segunda onda mediana.

Mineiro foi mal. Nas últimas baterias, tem sofrido com a leitura crítica dos juízes e a escolha equivocada de ondas. Suas manobras são fortes, observam matematicamente os requisitos exigidos pela ASP, mas caíram na perigosa vala da previsibilidade. E quando os juízes sentem cheiro de repetição no ar, achatam as notas, muitas vezes injustamente.

Para voltar a vencer, basta surpreender e fazer escolhas certas.

 

Tulio Brandão é colunista do site Waves, da Fluir e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou três anos como repórter de esportes do Jornal do Brasil, nove como repórter de meio ambiente do Globo e hoje é gerente do núcleo de Sustentabilidade da Approach Comunicação.

 

 

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".