Leitura de Onda

Combo que se come frio

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Adriano de Souza não toma conhecimento de Kelly Slater e aplica um combo histórico no decacampeão. Foto: © ASP / Robertson.

Deu gosto de ver os confrontos de Bells. Onda todo dia, surfistas combinando arcos belíssimos com manobras críticas, o desafio de decifrar uma onda perfeita, mas sujeita a humores ao longo de sua extensão. Isso sem falar na efeméride do evento mais antigo do WT: Bells comemorava 50 anos de disputas naquelas águas geladas. Um feito.

 

Joel Parkinson venceu com o surf que todos nós um dia já chamamos de mais bonito do mundo. A linha que o australiano traça na onda é limpa, redonda, atemporal. Se o surf tem muito de expressão estética, Joel é um renascentista. Ele recupera velhos movimentos do esporte, que andam desacreditados, e mostra ao mundo que o que importa não é o que você vai fazer numa onda, e sim como você vai fazer a onda.

 

Na final, bateu o quase irmão Mick Fanning, surfista que seguia um caminho mais explosivo nas direitas de Bells. Durante o evento, Fanning usou a arma da velocidade para identificar as oportunidades oferecidas pela onda e manobrou sempre com muita pressão.

 

No pódio, tinha espaço para outro surfista cheio de motivos para comemorar. Adriano de Souza conquistou uma vitória pessoal muito simbólica para a carreira: nas quartas, deixou seu herói e algoz, o 10 vezes campeão mundial Kelly Slater, em humilhante combinação. Se vingança é um prato que se come frio, o que dizer quando vem acompanhada de um combo?

 

Desta vez, o velho discurso oficial de que brasileiro é bom apenas em beach break caiu por terra. A prova foi disputada em condições épicas: o próprio campeão, Joel, disse que não se lembrava de ondas tão boas em toda a longa história do evento.

 

Mineiro surfou sua melhor bateria no ano, carimbou o passaporte 2011 de Slater e se posicionou com mais conforto nas disputas restantes da temporada. Não só isso: suas performances em Bells chamaram a atenção dos gringos. Slater deu entrevista comparando-o a um boxeador, os comentaristas do evento reconheceram o amadurecimento do brasileiro.

 

Jadson venceu adversários que vêm sendo sobrevalorizados no tour e jogou uma pá de cal na desconfiança em torno de seu backside. É fantástico ver o seu surf sendo polido com a experiência no tour. Jadson já é um surfista melhor do que no dia que entrou para a elite. Tem procurado alternativas mais inteligentes para ganhar velocidade e garante seus pontos com ataques impiedosos à onda, sempre na parte crítica.

 

Um quinto lugar foi justo para Jadson, o que lhe dá uma posição mais confortável para o realinhamento do ranking do meio da temporada, após a etapa de Nova York. Alejo Muniz avançou sem obstáculos para o round 3, mas parou em Jadson. Ainda está no crédito e confortável graças ao bom resultado obtido na Gold Coast.

 

Heitor Alves estreou bem em Bells, dominando uma bateria contra os goofies afiados Bobby Martinez e Owen Wright, mas sucumbiu na sequência do round 3. 

 

Raoni ainda não estreou. Sustenta, ao lado de Taylor Knox, a lanterna do WT 2011, com dois 25º lugares, sem ter vencido nenhuma bateria. Em Bells, lutou contra uma contusão. Na última onda, poderia ter sido um pouco mais bem julgado, mas esses obstáculos são comuns a outros surfistas. Gabriel Medina, o brasileiro convidado, também não se encontrou em Bells.

 

O cenário agora é o Rio. É hora de os brasileiros fazerem prevalecer a técnica de surf em ondas de beach break sem sentirem vergonha disso. Sim, surfar ondas sem qualidade é uma das nossas especialidades – uma entre tantas outras. E, claro, é hora de usar o fator campo a nosso favor e valorizar como nunca os surfistas da casa. Viva o quinteto brasileiro.   

 

Tulio Brandão é colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou três anos como repórter de esportes do Jornal do Brasil, nove como repórter de meio ambiente do Globo e hoje é gerente do núcleo de Sustentabilidade da Approach Comunicação.

  

 

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".