Espêice Fia

Cedric tem o clic

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Em outra oportunidade aqui no Espêice Fia, fiz contato com Ricardo Gibo, criador da revista japonesa Surfaholic. Desta vez converso com Cedric Barros, outro brasileiro envolvido com publicações no exterior.

Foi na França onde eu o conheci. Ao lado de sua esposa e filho pequeno, ele perambulava pelas areias de Lacanau, Hossegor e Biarritz durante os WQS daquela perna européia. A temporada começava em Newquay, Inglaterra, e se estendia por Espanha e Portugal.

Assim seguiram-se alguns anos e logo Cedric estava trabalhando para sua revista nas ilhas Canárias. Por acaso me peguei pensando outro dia sobre sua pessoa e consegui seu contato através do franco-brasileiro Eric Ribiere. 


E-mail vai, e-mail vem e aí está a conversa com este carioca da gema, que hoje mora na Espanha e trabalha como free lancer, incluindo trabalhos na publicação “internética” da revista brasileira Parafina.

Mano, você é carioca. Como foi bater nas Canárias? Conte um pouco do seu trajeto até lá.

Sim, carioca da gema. Na verdade foi por pura casualidade da vida. Estava fazendo uma trip com minha mulher pela França e também fotografava os campeonatos para a revista Inside, aí do Brasil.

Foi durante um festão que rolou em Biarritz para comemorar a vitória do Ricardo Tatuí no WCT, que foi incrível, chegou de surpresa e foi ganhando dos melhores da época para proclamar-se campeão em Biarritz. Se lembra?

 

Então, na festa encontrei com o grande free surfer Amir Ferreira. Perguntei para ele, um cara que já havia viajado tanto, se conhecia um lugar maneiro para morar e criar meu filho.

Ele viu que minha esposa era espanhola e falou das Ilhas Canárias, território espanhol, onde rolavam altas ondas e muito trabalho. Me explicou, que tinha um barco que saía do Sul da Espanha e dava até para levar meu carro.

 

Dito e feito, no dia seguinte partimos para colher maçãs no Norte da França para juntar um dinheiro a mais e partir rumo às Canárias.

Quando surgiu sua primeira revista?

Pô, boa pergunta. Já morando nas Canárias, comecei a trabalhar de free lancer para várias revistas espanholas e francesas. Então na época, mais ou menos em 1998, conheci um canário que estava começando uma revista de surf e buscava gente para trabalhar com ele.

Foi quando apareceu um outro fotógrafo canário e decidimos fazer parte deste novo projeto. Foi legal e funcionou, pois Miguel era um craque em programas informáticos e tudo relacionado com o mundo dos editoriais. Eu tinha muito contato no mundo do surf e já trabalhava como fotógrafo e Jose Vicente também era fotógrafo.

Foi quando surgiu a Radical Surf Mag, que no princípio era uma revista exclusivamente canária, mas com o tempo foi se tornando uma revista a nível espanhol. 

Você disse que fez três revistas, porque mudou de nomes? Fala um pouco de cada.

Na verdade não mudei de nomes. Comecei na Radical, que foi
meu principal trabalho por quase dez anos, pois além de fotógrafo também corria atrás dos anunciantes, fazia a distribuição em Lanzarote e Fuerte Ventura, também fazia parte do desenho gráfico, escrevia textos.

Mas um dia veio um cara e nos ofereceu juntar nossa revista e a sua editora, que fazia parte de um grande jornal canário, o “Canarias 7”. Eles estavam querendo entrar no mundo do surf e resolveram investir. De um dia para o outro, de dono de uma revista de surf virei assalariado.

Foi a maior cagada, mas meus sócios na época me botaram contra parede e tive que aceitar umas condições ridículas. Foi quando por outro lado, uma outra editora de Barcelona chamada Snow Planet resolveu também entrar no mundo do surf e através de Umberto, que era o grafista e webmaster da empresa e virou o responsável deste novo projeto chamado Cutback Mag me chamou para ser o diretor de fotografia.

O projeto de uma revista gratuita a nível espanhol me entusiasmava e o projeto canário já não estava dando muito certo. O único bom é que já não tinha que me preocupar com nada, cobrava todos os meses só pra tirar fotos. Então comecei a usar minha energia na Cutback Mag.

Como era o surf nas Canárias quando você chegou lá?

Cara, era muito bom, ninguém nos picos. A primeira ilha que cheguei foi Tenerife. Pois, como minha mulher estava grávida, pensei que nas outras ilhas não iria rolar assistência médica. Então escolhi Tenerife por parecer mais preparada.

Na época (1994) não se tinha tanta informação dos lugares nem existia internet, então era meio na sorte. Pô, me lembro quando cheguei em Alcala (Sul de Tenerife), hoje em dia uma onda super conhecida, e ninguém na água.

Estava 1 metro perfeito, altos tubos, e eu pensando: “será que dá para surfar esta onda?”. Fiquei um ano em Tenerife, nasceu meu filho e resolvemos nos mudar para Lanzarote, o North Shore da Europa.

Todo mundo me falava das tremendas ondas que rolavam nesta ilha, e eu não via a hora de conhecê-la. Realmente Lanzarote me surpreendeu por suas ondas e a similaridade com o North Shore de Oahu. No Norte da ilha na época não tinha nada, nem sequer ruas pavimentadas. Já o Sul era e é onde rola todo o turismo.

Surfava o El Quemao (Pipe canário) sozinho e muitas outras ondas. Só rolava um certo crowd na esquerda dos locais, mas nada comparado com agora.

 

No Quemao os únicos que apareciam por lá de vez em quando eram alguns free surfers da ilha de Gran Canária como Sergio El Halcon ou aussies como Rob Page e Gary Elkerton. Tinha ainda o surfista Basco Ibon Imatriain e Pablo Postigo, que no final comprou uma casa e ficou por lá.

Na maioria das vezes surfava praticamente sozinho, ou com dois ou três surfistas. Quando apareciam os profissionais, aproveitava para tirar fotos. Me lembro de ver uma vez o Dane Reynolds com só 16 anos com o team Quiksilver e o master Tom Carroll se jogando em Quemao, como era uma onda onde não existia localismo, muitos profissionais vinham treinar e tirar fotos.

Até lembro uma vez que veio o Tom Curren e seu irmão. Os locais levaram ele pra surfar no Quemao, pois queriam ver e aprender com o mestre.

 

Hoje em dia já não rola mais isso, demorou bastante para os locais se darem conta da tremenda onda que tinham bem em frente de casa. Primeiro foram os bodyboarders e muito depois vieram os surfistas locais. Deu pra tirar muito tubo sozinho.

Fiquei uns cinco anos em Lanzarote e depois me mudei para Fuerte Ventura. Outra ilha que no começo (ano 2001) não existia locais. Os locais eram praticamente os gringos e espanhóis, sobretudo galegos que viviam por lá. Fuerte Ventura é o paraíso do windsurf e agora do kitesurf.

 

Considerado um dos melhores lugares do mundo para velejar, e os windsurfistas foram os primeiros a surfar as ondas do lugar, pois aproveitavam os dias sem vento pra pegar umas ondinhas.

E hoje em dia? Como está o lugar depois das passagens do circuito mundial.

Mudou bastante. Lanzarote cresceu, mas o lance é que o North Shore guardou o mesmo encanto de sempre.

 

Bom, Lanzarote em geral se salvou da especulação imobiliária, pois um visionário chamado Cesar Manrique conseguiu passar uma lei de urbanização para toda a ilha que proibia a construção de edifícios de mais de quatro andares e coisas assim, então é uma ilha que cresceu com uma consciência muito ecológica.

O crowd no surf, como em todos os lugares no mundo, cresceu bastante, pois nosso esporte está em pleno auge. E claro, um campeonato mundial favorece este crescimento.

Soube que você enfrentou retaliações em determinados picos das Canárias por estar com a revista e divulgar os locais de surf. Quer falar sobre isso?

 

Na verdade nunca tive problemas, foi só com uns bodyboarders, mas por motivo pessoal. Mas já está tudo certo.

 

Também fui acusado injustamente de divulgar as Canárias, já que as ilhas sempre foram o North Shore europeu muito antes de eu chegar por aqui. Tanto que muitos dos primeiros surfistas das ilhas são estrangeiros.

 

Você falou que seu filho está surfando e que ele veio a se interessar depois. E sobre a fotografia, de alguma forma ele tem curiosidade no que diz respeito ao seu trabalho? Esqueci o nome de sua esposa, ela surfa também?

 

Somos uma família de surfistas. Rocio, minha mulher, a mais de 17 anos e meu filho Henalu, 16. Surfamos os três todos os dias. Meu filho demorou bastante para pegar o gostinho do surf.

 

Creio que por um lado foi minha culpa por insistir tanto e por outro as Canárias quase não existe beach break, só fundo de pedra. Então penso que foram estes os dois motivos principais. Ele só gostava de surfar na França (menino chique), então realmente só começou quando nos mudamos aqui pro Norte da Espanha.

Nas Astúrias têm altas praias, e onde mora meu sogro. É show de bola. Foi quando no verão, aos seus 13 anos, ele me disse que queria surfar. Deixei minha prancha e lá foi ele, nem quis me intrometer para não estragar.

 

E olha até hoje, agora está amarradão, já não quer fazer outra coisa. Surf é fogo, quando pega o gostinho é ruim de parar. Agora já é pra vida toda.

Demais, somos uma família de surfistas como a sua. E aqui nas Astúrias têm muita onda boa e estamos a cinco horas da França, um bom lugar para morar.

Também dividimos todas nossas atividades, minha mulher Rocio não só é minha companheira no dia-a-dia, mas também grande fotógrafa e videomaker.

 

Já fizemos vários vídeos juntos e ela também edita, fizemos uma revista juntos (Canarias Extreme). E meu filho, me ajuda também, este verão me ajudou gravando com a Go Pro.

E você, tem surfado? Qual o melhor pico das Canárias?

Todos os picos são bons, realmente Canárias é um verdadeiro paraíso. É o Hawaii europeu por excelência. São sete ilhas principais e várias ilhotas. Eu vivi em Tenerife, Lanzarote e Fuerte Ventura. Hoje em dia vivo no Norte da Espanha, nas Astúrias.

O melhor pico das Canárias? É difícil de responder, pois são vários e cada um tem suas qualidades. Se o cara estiver buscando tubos, El Quemao é a melhor opção. Longas direitas.

 

Tenerife tem muita variedade, Las Palmas é uma boa opção e estão as ilhas menos conhecidas. Resumindo, são um verdadeiro oásis do surf, wind e kitesurf.

Quais os Canários estão se destacando? Fala um pouco também do Jonathan Gonzáles, ele foi o primeiro expoente do arquipélago né?

Vi ele crescer, quando cheguei a Tenerife ele tinha 13 anos. Estava começando a surfar, e pouco a pouco foi ganhando todos os campeonatos locais, foi malandro, em vez de ficar nas ilhas, saiu fora, foi pra França com o team Quiksilver, seu patrocinador durante vários anos.

Pois aqui acontece o mesmo que no Hawaii, os surfistas locais não saem e isso impede um futuro melhor. E o Jonathan não deu esse mole. No começo de sua carreira viajei muito com ele. Tem um talento natural e, apesar de ter começado um pouco tarde, aprendeu rápido. Tem muito estilo e facilidade pra surfar.

Para mim e para muita gente é o melhor free surfer europeu. E só não chegou mais longe no mundo competitivo porque tem esse lado tão tranquilo das ilhas. Acho que falta mais esse lado competitivo que tem o Jeremy Flores, por exemplo.

 

Outros grandes nomes do surf canário são Jose Maria Cabrera, de Lanzarote, que também deixou o surf por um tempo e voltou várias vezes, e por isso não explodiu realmente.

Julian Cuello, das Palmas, também tentou a sorte durante uns anos no WQS, mas não é fácil e preferiu dedicar-se ao free surf e campeonatos locais e europeus e, claro os WQS das ilhas.

Mas o surf canário teve grandes surfistas como Felix Ortega, El Pecas, entre outros. O problema que antes da geração do Jonathan não se tinha tanta ajuda e por isso era muito difícil viajar a Europa para competir.

 

Outra coisa que ajudou muito o surf canário a ser mais competitivo foi o circuito local e claro, os WQS (El Confital, Lanzarote e Tenerife, onde também já teve um).  

E o Eric Rebiere? Ele mora nas Canárias? Você acompanha o surf dele? Existem outros brasileiros no arquipélago?

Cara, conheci o Eric através do Joe Sonis. Me lembro quando ele chegou na Europa, na França. Já chegou abalando, Eric é um lutador nato. No mundo da competição ganhou tudo, foi o primeiro europeu a entrar no WCT.

E sabe trabalhar com os fotógrafos. Trabalhei com ele bastante vezes. É muito atirado e fácil tirar foto de um cara que está sempre preparado para qualquer tipo de mar.

Comprou uma casa em Lanzarote e agora está descobrindo novas ondas por lá junto com surfistas canários. Acho que é muito bom para as ilhas ter um surfista como o Eric.

Tem outros brazucas que moram nas ilhas e também moraram. O próprio Amir Ferreira morou lá. Muita gente ainda lembra dele e das loucuras que ele fazia e das ondas que ele dropava.

Tem o Alcydes Royd, grande shaper que mora em Tenerife. O Marcelo Almeida, de Cabo Frio (RJ), morava em Mallorca e ia passar as férias na minha casa até que se mudou de vez pra Fuerte Ventura. O Gilmar, companheiro do Eric e que tira altos tubos no Quemao.

Mas, comparado ao Hawaii, por exemplo, são poucos os brasileiros que moram nas ilhas Canárias.

 

Como você vê os brasileiros hoje em dia dentro do surf mundial?

Pô, essa pergunta é fácil de responder. Você e o Teco (Padaratz) abriram o caminho para uma geração que está fazendo o povo brasileiro sonhar. Falta muito pouco pra ter um campeão mundial brasileiro.

O Gabriel Medina está quebrando tudo, ainda me lembro quando vi ele ganhar lá na França pela primeira vez. Foi um Pro Junior e foi lá que ele explodiu. Me lembro que na final todos os principais diretores das marcas de surf vieram e muitos tops também não quiseram perder o espetáculo. Ele conseguiu 20 pontos de 20 possíveis.

E não para de sair novos talentos, temos uma escola de surf inesgotável. Muita gente aqui na Europa está de olho no surf brasileiro. E não é só no mundo da competição que estamos destacando, é no free surf, nas morras. O Brasil hoje em dia já não e o país de samba e futebol, é também de muito surf.

Fábio Gouveia
Campeão brasileiro e mundial de surfe amador, duas vezes campeão brasileiro de surfe profissional e campeão do WQS em 1998. É reconhecido como um ícone do esporte no Brasil e no Mundo. Também trabalha como shaper.