Leitura de Onda

Um grande ano

0
980x550

Adriano de Souza começa o ano, como sempre, em silêncio, pronto para vencer. Foto: © ASP / Kirstin
 

A primeira parada do grande circo místico do surfe foi promissora. Não apenas, é claro, pela inédita vitória brasileira na abertura da temporada, mas por tudo o que rolou dentro e fora da água em Snapper Rocks.
 
Primeiro, o líder. Meus críticos de internet – um grande e verdadeiro abraço pra eles – viram no último texto uma antecipação de título de Gabriel Medina, por conta da vitória na primeira etapa. Coisa de bola de cristal, só que não.
 
Eu apenas reproduzi dois sentimentos comuns a quem acompanha o circuito de perto, incluindo aí os atletas: o de que o garoto de Maresias larga numa posição psicológica perfeita para a disputa de 2014 e o de que há uma aposta consagrada num caneco mundial futuro para ele, não importa o ano.
 
Gente de fora andou na mesma linha. O jornalista australiano Wade Davis, da Australian Surfing Life (revista que andou flertando perigosamente com preconceito e racismo) escreveu um elogioso tratado sobre Medina, dividido em quatro partes,  com o seguinte título: “Por que Medina é seu novo melhor amigo.”
 
No texto, Davis confirma o tal sentimento: “É tempo de aprendermos como ser seu amigo, porque Medina será o primeiro campeão mundial do Brasil.”
 
O outro lado da história é que concordo com quem diz que esse tipo de predição muitas vezes é derrubada por espíritos fortes, por pessoas que jamais estiveram na condição de candidatos reais a nada e surpreendem o mundo.
 
Opa, aí eu me lembro de Adriano de Souza, o eterno quebrador de paradigmas do surfe mundial. Ele começou o ano, como sempre, em silêncio, pronto para vencer. Está em absurda forma física e técnica, e é um dos mais maduros competidores.
 
Mineiro é uma espécie de carpinteiro de seu próprio surfe. A cada ano que passa, dedica-se a arredondar cada uma de suas arestas, como se estivesse construindo o arquétipo de um potencial campeão mundial perfeito, sem pontas soltas.
 
Quer um exemplo? Ele foi, de longe, o top brasileiro que ficou mais tempo no North Shore nesta temporada. Quer quilometragem em ondas mais agudas.
 
Ele vive a surpreender o mundo com seus resultados e performances. E, ainda assim, encontra incrédulos. É como se uma parte do circo, acostumada a padrões estéticos restritos, fosse incapaz de enxergar o grande surfista que ele é.
 
A beleza da história é que a desconfiança, em vez de abater Adriano, parece ser um combustível atômico para a sua evolução sem fim.

980x582

Miguel Pupo chama a atenção de Kelly Slater em Snapper Rocks. Foto: © ASP / Kirstin
 

 
Agora, Miguel Pupo. Em entrevista recente, ele contou que fez uma operação para desobstruir as vias respiratórias, e agora se sente com fôlego renovado. Se somar isso à recuperação de suas contusões e à importantíssima decisão de surfar com pranchas locais na perna australiana, temos um novo surfista.
 
Em Snapper, Kelly Slater andou atento à evolução do brasileiro. “Miguel foi realmente a surpresa do evento. Ele surfou muito mal ano passado, e tenho certeza de que concordaria comigo. Eu não sei o que aconteceu, mas parece que este ano ele simplesmente mudou. É um cara totalmente diferente.”
 
Nossos demais centuriões ainda não tiveram tempo de mostrar o trabalho. Oxalá consigam avançar um pouco mais em Margaret River.
 
O ano será magnífico também pela exuberante forma de alguns dos grandes surfistas da história. Kelly Slater vinha como um dos destaques do evento, com um surfe veloz e afiado, mostrando um fino preparo físico e técnico.
 
Perdeu para si mesmo e para o seu já contumaz algoz, Adriano – não fosse por isso, ele possivelmente disputaria a vitória da etapa.
 
Joel Parkinson apresentou o mais belo surf do evento. Perdeu porque do outro lado estava um garoto com punch potente e, por enquanto, nada a perder. Suas linhas e suas escolhas de onda são sempre plásticas, agudas.
 
Há tantos candidatos que eu me perderia no texto. Owen Wright, por exemplo, voltou na ponta dos cascos, e perdeu apenas para um surpreendente Pupo.

Isso sem falar de uma turma boa que também pode chegar lá, é claro, como John John Florence, Taj Burrow, Jordy Smith e, se aproximando do batalhão, Julian Wilson.
 
Para esquentar ainda mais a disputa, as duas novidades da temporada – J-Bay e Margaret – têm ondas afeitas aos surfistas de linhas mais elaboradas.
 
A temporada está aberta. E, claro, é sempre bom tomar cuidado com o irretocável Mick Fanning. Se todo mundo errar, ele vence de novo.

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".