Leitura de Onda

Agora é o Joaquim!

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Montagem retirada do Facebook destaca o ministro Joaqui Barbosa, presidente do STF. Foto: Reprodução / Swell.net.

Em tempos de flat no North Shore, o assunto bem que poderia ser a manobra fora de esquadro de Dane Reynolds enquanto Haleiwa ainda pulsava fracamente. Ou as boas apresentações de William Cardoso, surfista sempre potente em ondas mais fortes. 

 

Mas, aqui em Pindorama, no centro do poder, algo nos enchia os olhos.

 

Meus sete leitores a esta altura não estão entendendo bulhufas. Semana passada, o herói escolhido foi Ayres Britto, cuja maior afinidade com o surfista é a verve para a poesia. Agora é a vez do Joaquim, mas que Joaquim? Joaquim Barbosa, ele mesmo!

 

Desta vez, a reverência é da minha mulher, Luciana, que adorou a liberdade concedida pelo site para, volta e meia, entrar noutras ondas. Prometo que não vou deixar amarelar a prancha, e logo estarei de volta com palavras salgadas. Mas a ocasião é histórica.  

 

O texto dela é um libelo contra o preconceito e o racismo, uma declaração de amor a um Brasil de iguais. E, acreditem, a posse de Joaquim Barbosa como presidente do STF torna também os surfistas mais fortes. Por quê? Por ser um golpe em todo o tipo de desprezo a minorias.

 

Leiam o texto da Luciana: 

 

“E ele sequer mencionou… Pois é, em seu discurso de posse, esta semana, como  presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa nada disse sobre o fato de ser o primeiro negro no mais alto cargo do Judiciário brasileiro. Aquilo que a imprensa destacava não parecia ser o mais importante para o próprio Barbosa, que preferiu falar da falta de igualdade no acesso à Justiça e ressaltar a independência de juízes: 

 

“Há um déficit de justiça”, afirmou. 

 

A ausência da questão racial não foi um descuido ou um lapso do ministro. Ao não dar ênfase à cor de sua pele, sabiamente e nas entrelinhas, indica aos brasileiros qual deve ser o próximo grande passo de uma República democrática, onde raça, religião e gênero não podem ser, por si só, sinônimo de méritos ou fracassos. 

 

O tema é pertinente, primeiro, pela importância que o Supremo vem ganhando no país nos últimos anos, ocupando espaços de um Legislativo enfraquecido e desacreditado, para conduzir importantes polêmicas, das células-tronco à corrupção. Segundo, porque a posse de Barbosa nos revela uma nova perspectiva para o fim de uma cultura de preconceitos – e é aí que entram surfistas, eternamente qualificados como vagabundos, viciados ou alienados. 

 

O mérito de Barbosa não está em sua negritude, mas em seus valores profissionais. Superou, sim, uma infância difícil, mas venceu porque tem qualidades, não pela cor. 

 

Ele, aliás, é bastante criticado por seus defeitos. É tido, em rodas do meio jurídico, como arrogante, agressivo, teimoso e temperamental. Não é fácil de lidar, dizem. Mas isso não impediu que sua conduta e suas ideias conquistassem o respeito popular e de colegas. E é o que importa. Nada mais.

 

Há diversos outros casos que reforçam o sentimento de que estamos um degrau acima na questão racial, feminista, gay ou de qualquer outra bandeira de minorias. Dilma na Presidência, Graça Foster na Petrobras, a visibilidade do deputado Jean Wyllys, Obama reeleito nos Estados Unidos… Estão sendo, e assim deve ser, julgados por seus atos, não pelo fato de serem mulher, homossexual ou negro. 

 

É claro que ainda é preciso lutar muito para que as oportunidades sejam iguais, mas passar a enxergar as pessoas pelo que elas realmente são em termos de caráter, ética e competência é a condição necessária para desnudar o preconceito.   

 

Um negro não é melhor que um branco, um gay não é melhor que um hetero, uma mulher não é melhor que um homem, um umbandista não é melhor que um católico, um petista não é melhor que um tucano, um pobre não é melhor que um rico. Nem pior.

 

Da mesma forma, um surfista não é melhor nem pior que ninguém. Há os éticos, os viciados, os saudáveis, os vagabundos. Há bons surfistas negros e há péssimos surfistas negros. É só mais um estrato social, um reflexo de quem somos, sem maniqueísmos. 

 

Ninguém deve ser estereotipado. Esta é a principal mensagem que nos passou Joaquim Barbosa, um negro, sim, mas também um mineiro, um libriano, um poliglota, um pianista, um violinista, um pai, um morador do Leblon, um careca…”

 

Tulio Brandão é jornalista, colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou nove anos no Globo como setorista de meio ambiente e outros três anos no Jornal do Brasil, onde cobriu surf e outros esportes de prancha. Atuou ainda como gerente de Sustentabilidade da Approach Comunicação. Na redação, ganhou dois prêmios Esso, um Grande Prêmio CNT e um Prêmio Abrelpe. 

 

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".