Leitura de Onda

A prancha na mesa

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O crowd formado pela galera que curte Leitura de Onda inspira Tulio Brandão. Foto: Aleko Stergiou.

“Quando eu sair da água, pensei, tenho que botar a prancha na mesa e negociar com o mundo real: eles precisam entender que eu preciso surfar com mais frequência para ser um bom profissional fora d´água”.

 

O texto acima é um pequeno recorte da coluna publicada na última semana (“Um Pontão real”) no Waves, escrito à moda sincera e despretensiosa. Um desabafo de surfista, um grito. E aí, quando nada se espera a não ser a chance de voltar a surfar, o colunista ganha o melhor dos presentes: a identificação dos leitores.

 

O primeiro sinal foi de Marco Antônio, que está louco para deixar Curitiba por uma praia, como Navegantes ou Itajaí. “Copiei aquela passagem (…) e compartilhei no meu Facebook. Adivinha só? Tive comentários, obviamente, alguns babacas criticando, mas quem entendeu a mensagem, quem faz parte do círculo vicioso de água salgada – ondulação – sol – sorriso estampado, se identificou, compreendeu, e refletiu. No momento, vivo o dilema de tentar mudar a base de meus negócios para perto do mar”.

 

A escolha é dura: trocar a prata (ou pelo menos parte dela) pela praia. Mas é o caminho sem volta do surfista comum.

 

Enriquecedora mesmo foi a experiência de outro leitor, que pediu anonimato para poder continuar surfando em paz, sem ter que ir ao RH da empresa. Engenheiro, meia idade, ele é funcionário de uma gigante da construção civil brasileira, que tem plantas espalhadas por vários cantos do mundo – alguns desses com ondas espetaculares.

 

Durante a carreira, foi sorteado com transferências para planta perto de ondas generosas e sem crowd. Seu penúltimo destino, por exemplo, foi Angola. Teve a oportunidade não tão comum de surfar ondas como a de Cabo Ledo, de Buraco, entre outras ainda menos conhecidas. Fez bons amigos, viveu pelo trabalho e pelo surf.  

 

Num determinado momento, foi transferido para o Peru, que oferece as ondas do Pacífico para quem está na costa. Fora dela, porém, a vida é árida. Percebeu que era a hora de realmente botar a prancha na mesa.

 

“Tive a famosa conversa com o diretor de país da empresa, e negociei que só trabalharia onde pudesse surfar. Ele gostou e me disse que assim seria. Digo que assim está sendo, e assim será enquanto houver uma onda e um surfista”, contou o surfista bom de cálculo.

 

“Daí em diante, passei a surfar feriados e finais de semana no litoral Sul de Lima, além de Chicama e Pacasmayo, pois atualmente estou num projeto no Norte do país. O surf, que já teve tantas propriedades – surf cura, surf salva – agora ajuda a engenharia”, finalizou. Nada melhor que destruir ondas para construir coisas melhores.
 

Tulio Brandão é colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou três anos como repórter de esportes do Jornal do Brasil, nove como repórter de meio ambiente do Globo e hoje é gerente do núcleo de Sustentabilidade da Approach Comunicação.

 

 

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".