A palavra do coelho

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Wayne Rabbit Bartholomew respeita a decisão de Neco e garante que ela não vai comprometer julgamentos futuros. Foto: Ellis/ASP.

Teve gente defendendo a coragem de assumir o medo. Teve gente enterrando a carreira do cara. Teve gente apenas lamentando o episódio. Teve gente, muita gente mesmo, brigando pela posse da coragem, já que a do medo caiu no colo de Neco Padaratz. Tudo gente comum, que teme a morte.

 

Gente como eu, que vez por outra, acidentalmente, recebe a missão de seguir os “canas” em incursão pelos morros, atrás de notícia. Qualquer dia posso dizer que não vou mais e pronto. É cagaço sim, e daí? Se fizer isso, estarei assumindo os riscos de não me arriscar. E entre os danos possíveis, está a mudança de postura do chefe, que pode deixar de apostar em mim numa outra empreitada.

 

Taí o novo provável adversário de Neco: a imagem arranhada na cabeça de quem manda, de quem julga. Por isso, em vez de perder tempo dando minha opinião de gato-mestre, resolvi ouvir logo aquele que seria, guardadas as devidas proporções, o “chefe” dos surfistas no WCT.

 

Em 2002, o catarinense mostrou que é capaz de superar situações adversas, quando saiu da lanterninha para as primeiras posições do ranking. Foto: Ellis/ASP.

Wayne “Rabbit” Bartholomew é o manda-chuva da ASP. E diz o que pensa da carta de desistência de Neco. O brasileiro admitiu que não correria a etapa do Taiti (a mais difícil do WCT) por não ter se recuperado do trauma sofrido dois anos antes, quando quase morreu dentro d´água.

 

“Apesar de me deixar triste saber que um dos nossos atletas tem problemas psicológicos, fiquei impressionado com a maneira honesta como Neco expressou seu problema. Para mim, é preciso coragem. Duvido que algum atleta no mundo tenha tornado público sua limitação psicológica. Eu o respeito por isso e aceitei a explicação dele para não competir em Teahupoo.”

 

Rabbit lembrou o furacão Neco do ano passado para reconsiderar suas chances de título: “Teahupoo valerá zero, mas ele ainda tem dois descartes possíveis. Ainda pode ser campeão mundial. Não se esqueça do ano passado, quando ele era Top 30 e pulou para as cabeças na Europa. Em outubro de 2002, ele era o melhor surfista do mundo. Provou que pode se recuperar em situações adversas.”

 

Os juízes da ASP terão que manter o profissionalismo para não se deixar levar por acontecimentos do passado. Foto: Ellis/ASP.

A pergunta mais delicada, aquela que depende da inalcançável subjetividade humana, o diretor executivo da ASP chamou de “lixo”. Indaguei se ele via a possibilidade de a atitude de Neco influenciar no julgamento dos juízes em outras etapas do ano. Quem julga pode tirar ponto por sugestão do diabinho que diz “ah, o cara amarelou em Teahupoo, não merece crédito”?

 

“Com todo o respeito, Túlio, essa pergunta é um lixo. Os juízes do WCT,  sob o comando de Perry Hatchett, são altamente profissionais. Eles julgam o que vêem na performance em cada bateria. Não consideram a popularidade nem tampouco se o surfista é especialista em onda grande. Todos esses fatores (externos) são irrelevantes na hora de dar a nota para uma onda específica.”

 

Chefe bacana esse, hein? Como imagino que Neco volte mais mordido que nunca às competições, massacrando adversários, será fácil checar se o australiano Rabbit teve a mesma coragem do brasileiro para dizer a verdade. Se o nariz do coelho não crescer, Neco volta ao páreo.

 

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".