Leitura de Onda

A batalha dos repescados

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Heitor Alves apavora na segunda fase. Foto: © ASP / Rowland.

A repescagem do WCT de Trestles ofereceu aos brasileiros um cardápio variado de emoções. Heitor Alves e Alejo Muniz seguiram adiante em baterias apertadas. Jadson André voltou a viver o drama das notas de teto baixo contra um pouco inspirado Julian Wilson.

 

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E Miguel Pupo desperdiçou as oportunidades e acabou perdendo para um dos mais limitados surfistas da elite, o sul-africano Travis Logie.

 

Começo com Heitor, que fez o que se espera de um atleta sem medo do erro. Fora do ritmo da bateria, ele perdia feio para o local Kolohe Andino. Precisava de um nove, num mar com séries cada vez mais escassas e fracas. Achou uma onda pequena, insossa até, de uma manobra só. 

 

Ele vinha preparando a manobra, quando de repente o comentarista da versão em inglês do evento deixou escapar: “Oh my god!” Heitor tinha executado uma manobra rotacional futurista, que muitos chamaram de um super rodeo flip. Um bodyboarder, no Facebook, arriscou apelidá-la de ARS (air roll spin), manobra típica do esporte coirmão do surf. 

 

Ganhou nove dos juízes, maior nota dada a uma onda de um movimento só em Trestles até agora, e virou merecidamente uma bateria praticamente perdida. Ressuscitou na hora certa, num evento em que costuma fazer bons resultados. E, desde já, aparece como favorito ao prêmio “true innovation”, que será dado no evento.

 

Alejo foi uma grata surpresa. Confesso que, depois da apresentação do round 1, não nutria grandes expectativas de vitória do brasileiro sobre Fred Patacchia, que costuma maltratar a parede de Trestles com seu backside potente.

 

Já estava sentindo falta do surf que encantou o mundo ano passado até o momento em que teve de ficar de molho devido a uma contusão. Desde que voltou, este ano, é a primeira bateria que o vejo executar, em competições, as belas linhas associadas a manobras de impacto que fizeram a sua fama. 

 

Ele mesmo admitiu, na entrevista pós-vitória, que aquela era a sua primeira bateria de verdade desde que recuperou a forma física. Agora, é seguir em frente e manter o ritmo. Alejo voltou.

Drama mesmo está vivendo Jadson André. Contra Julian Wilson, foi veloz e radical. Executou seus habituais aéreos altos, além de outras manobras consistentes. 

 

O australiano optou por um surf de linha, mais conservador, e sem manobras de risco. Acabou fazendo uma nota oito meio sem querer: uma primeira manobra de borda bem forte e, na sequência, um aéreo pra lá de conservador, sem altura nem expressão.

 

Deu pra ver que os juízes gostam declaradamente do surf de Julian. Até aí, nada. Gostam também dos movimentos de Gabriel Medina e de outros garotos. 

 

O problema está na leitura que fazem do surf de Jadson. E, para isso, não há um remédio imediato. Desvalorizam o surf dele com o argumento da base aberta, dos movimentos supostamente pouco fluídos e da síndrome do surfista de uma manobra só (no caso, seu consagrado aéreo). Em resumo: veem muita força e pouca graça. 

 

Eu discordo. Vejo valor em Jadson. Mas acho realmente que ele não deve abandonar a luta pelo ajuste fino dos movimentos, para torná-los cada vez mais suaves. E tentar sempre encontrar novos caminhos na onda, como fez Heitor no round 2.

 

A única saída para ele não ser sempre julgado com um olhar crítico é surpreender, apresentar algo novo, fazer aquilo que os juízes nem seus adversários mais frequentes imaginam.

 

Miguel Pupo perdeu uma boa chance de ir adiante numa onda em que surfa bem. A prancha parecia não estar grudada em seu pé, o que provocou erros incomuns para o surfista.

 

Numa dessas quedas, ele vinha numa direita muito bem surfada e falhou numa rasgada. A derrota, no entanto, não preocupa. É só Miguel se acalmar para voltar a vencer.

 


Tulio Brandão é jornalista, colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou nove anos no Globo como setorista de meio ambiente e outros três anos no Jornal do Brasil, onde cobriu surf e outros esportes de prancha. Atuou ainda como gerente de Sustentabilidade da Approach Comunicação. Na redação, ganhou dois prêmios Esso, um Grande Prêmio CNT e um Prêmio Abrelpe.

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".