Leitura de Onda

Guigui em Pipe: 24×7

0
622x415

Wiggolly Dantas tem total intimidade com as ondas de Pipeline. Foto: Sebastian Rojas.
 
622x415

Guigui frequenta o Hawaii desde os 12 anos. Foto: Tiago Navas.
 

Wiggolly Dantas, o Guigui, foi o gigante brasileiro em Pipeline no celebrado WQS da Volcom, realizado dias atrás. Quem viu o garoto de 24 anos atrás apenas de Kelly Slater no mais emblemático tubo do mundo tenta imaginar que estranho caminho ele trilhou para chegar lá.

O começo de tudo foi bem moleque, aos sete anos. Irmão dos surfistas Suelen Naraísa e Welington Carane, ele chegou a ser chamado pelo mano de “o merrequeiro da família”. Para espantar de vez a pilha, o garoto mirrado decidiu que encararia um mar grande em casa, na Praia de Itamambuca.

Perdeu o apelido e, dali em diante, foi só ampliando os limites em mares cada vez mais pesados. Com 12 anos, desembarcou pela primeira vez no Havaí. “Cheguei no final de tarde e fui direto ver Pipeline. Estava gigante. Pensei: essa é a onda que eu quero surfar para o resto da vida, todos os dias possíveis.”

No dia seguinte, ele estava lá. Começava, ali, uma relação de devoção entre o surfista e Pipeline. Fez amigos locais, foi beneficiado pela pele morena semelhante às dos havaianos, passou a se hospedar embaixo da casa de Fast Eddie, suou para realizar o seu sonho.

Em busca do tubo, decidiu morar pelo menos quatro meses por ano no arquipélago e agendar um compromisso eterno com aquela onda: “Passei a surfar todos os dias possíveis lá: grande, pequeno, bom, ruim, ventando, mexido, fechando, não importa. Entro sempre na água”.

Quando quebra a prancha, mesmo que seja nos últimos minutos de luz do dia, pega outra em casa e volta para a água. E, claro, para vencer em Pipe, não dá para economizá-las: foram 17 pranchas partidas ao meio, só nesta temporada.

Também não dá para evitar certos riscos. Nos cilindros mais emblemáticos do mundo, Guigui já estourou o tímpano, tomou ponto no pé, ralou as costas e outras partes do corpo inúmeras vezes. E segue uma lógica honesta de risco x oportunidade: “Tudo tem uma consequência. Se você quiser pegar as ondas da vida, prepare-se para pagar o preço. Me acostumei com isso.”

Dentro d’água, ele usa duas estratégias. Quando está perfeito e recheado de séries, senta no pico e espera perto dos locais. Quando as ondas demoram mais, vai mais para baixo e se arrisca em ondas aparentemente fechadas. “Algumas parecem que vão fechar mas rendem tubos mais profundos. Outras fecham mesmo, fico lá dentro.”

O que falta para esse letrado em tubologia avançar rumo ao WCT? Pouco, muito pouco. Há cerca de cinco anos, ele não entrou por duas vagas, lembrou. Na última temporada, no entanto, decidiu se preparar para fazer um 2014 diferente.

Ele fechou com um treinador muito especial, Renan Rocha, talvez o surfista mais tático de todos os tempos no Brasil, dono de inteligência e de competitividade aguçadas. “Renan já identificou coisas importantes e melhorar no meu surfe”, disse. Para completar a equipe, Guigui conta com o essencial apoio da psicóloga Giorgia Lunardelli Orlandi.

Depois de Pipe, acertou ainda com a marca Stretch boards, da Califórnia, que abastece o quiver de nomes como Bruce Irons. Em tempo: em Pipe, surfou com um roundpin 6’6”.

Começou bem, com o vice em Pipe, e agora está na Austrália, em busca de mais pontos para a qualificação. Agora só falta atravessar o sempre longo e tortuoso tubo do WQS.

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".