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Ewing: a vitória do surfe

Tulio Brandão comenta as vitórias de Ethan Ewing e Tatiana Weston-Webb em Jeffreys Bay, África do Sul, e traz a análise técnica dos principais surfistas na etapa.

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Ethan Ewing exibe com categoria os movimentos da escola australiana de surfe.

A etapa de Jeffreys Bay poderia ser apenas mais uma dominada pela Austrália nesta conturbada temporada de 2022. Mas, para o bem do surfe, a despeito da bandeira aussie no alto do pódio sul-africano, a alegria com a vitória de Ethan Ewing ultrapassou fronteiras. Quem gosta de linhas finas e apuradas, quem exige arcos bem executados, quem admira transições limpas comemorou a vitória do surfista da Ilha de North Stradbroke, em Queensland.

Ethan dá, enfim, continuidade à escola australiana, que sempre ensinou movimentos limpos e inteligentes em clubes espalhados por toda a costa aussie. De lá surgiram dezenas de excelentes desenhistas de onda – os últimos a defenderem a técnica foram Joel Parkinson e Mick Fanning, que somam juntos quatro títulos mundiais.

A tempestade brasileira, que até o momento domina, em termos objetivos, as ações na elite, tem se apresentado como um adversário fortíssimo a essa escola, com a adição de manobras aéreas rotacionais à rotina da onda. Nos casos mais refinados, a transição entre esses movimentos tem sido incrivelmente limpa; em outros, não.

A WSL deve, sim, valorizar as linhas raras e limpas de Ewing. Deve, ainda, ampliar bastante a exigência das transições limpas, condição que deveria ser essencial à permanência de surfistas na elite. Não há espaço para matar barata no salão nobre. Ao mesmo tempo, a entidade precisa, sim, redobrar a atenção nos surfistas que conseguem combinar os dois mundos – linhas limpas e manobras progressivas.

O caso de Ewing, por enquanto, é o de um surfista extremamente talentoso, sutil em cada um de seus movimentos, que mostrou ao mundo ser capaz de vencer sem sair da parede da onda. É fundamental ao surfe manter essa técnica valorizada, para que o futuro chegue sem que as melhores linhas, que nos definem, sejam perdidas.

Ethan Ewing e Tatiana Weston-Webb comemoram no pódio do Open J-Bay 2022.

Em Jeffreys, Ewing fez o que dele se esperava desde 2017 (quando chegou à elite pela primeira vez e, sem maturidade, caiu no fim do ano): dominou as excelentes direitas que – contrariando a regra da temporada – quebraram ao longo de todo o evento.

Na final, venceu Jack Robinson, que segue em grande forma e muito confiante. Leandro Dora faz mesmo milagres. Admiro muito a capacidade do australiano de sair de cilindros impossíveis e, é preciso dizer, ele usou muito bem essa arma na África.

Por outro lado, sigo bastante implicante com os movimentos de Robbo na parede da onda. Seu surfe de borda carece de mais refinamento, seus arcos muitas vezes são incompletos ou lentos e mesmo as batidas às vezes travam no lip. A diferença fica mais gritante na comparação com o refinamento estético de Ewing.

Embora siga sendo sobrevalorizado nas notas, chegou à final por méritos – pela fase técnica, pela confiança e, claro, pela excelência nos tubos.

Entre os semifinalistas, começo por Kanoa Igarashi. O japonês fez excelentes somas ao longo de todo o evento, ficando quase sempre perto da casa do excelente. Foi o responsável pela eliminação de Caio Ibelli, nas oitavas, e de Italo Ferreira, nas quartas, este último num confronto direto por uma vaga entre os cinco melhores para Trestles.

Kanoa é um excelente surfista, embora abuse do fundo da prancha. Tem, ainda, um dos melhores perfis do tour. Erra muito pouco, surfa sempre no limite de sua técnica e é um competidor bastante inteligente. A dúvida é se esse pacote será suficiente para colocá-lo na final de Trestles. A briga está muito acirrada – e o nível elevado demais, com grandes novidades à espera de um lugar ao sol, como Ewing e Griffin Colapinto.

Yago Dora domina em alto nível tanto as manobras aéreas, quanto na parede da onda.

Yago vem forte em 2023

A outra grande notícia para o Brasil é a ascensão aparentemente consolidada de Yago Dora. O filho do Leandro alcançou, nas últimas etapas, um nível de surfe assombroso, que o coloca em condições bem favoráveis para a disputa real do título em 2023.

Em J-Bay, Yago atropelou o líder do ranking, Filipe Toledo, nas oitavas, com um surfe vertical, sempre no pocket da onda, que lhe rendeu 9,50 na melhor onda. Nas quartas, não tomou conhecimento do bom goofy Connor O’Leary. E, na semifinal, contra Ewing (para mim a final antecipada entre duas das grandes novidades do ano), foi eliminado por menos de dois décimos. Se ele não tivesse comemorado um aéreo antes do fim da onda e perdido a última manobra, talvez tivesse avançado à final.

Já imaginou a alegria de Dora, com dois pupilos na final? Foi por pouco.

Italo Ferreira reencontra seu ritmo na África do Sul.

Um Italo reconectado

Valem menção dois brasileiros que alcançaram as quartas.

Samuel Pupo, pela constância de boas apresentações e resultados convincentes no ano de estreia. Em J-Bay, teve tempo de fazer um 9,17, na bateria das oitavas, contra Cal Robson, e isso não é pouco. Quando quebra clássica, como aconteceu, aquela direita prefere sempre os melhores surfistas do mundo.

Italo, pela recuperação técnica. O campeão mundial de 2019 se reconectou com seu ritmo na África. Fez algumas das maiores somatórias do evento, um 17,64 na bateria contra Nat Young, e a maior nota das quartas, um 9,0 contra Kanoa. Só não avançou porque não achou a segunda onda, prejudicado por contusão durante a bateria.

O potiguar segue para a última etapa do ano, no Taiti, com alguma vantagem na briga direta pelas vagas abertas para Trestles, mas precisará correr atrás de bom resultado, o que, para o espectador, será uma benção.

Com tantos surfistas sem ter o que fazer no Taiti, por já estarem classificados para 2023 e sem chances no top 5, será um alento ver a briga pelas vagas de Trestles.

Filipe Toledo não confirma favoritismo em Jeffreys Bay.

Rema, Filipe

Filipe, o líder do ranking, não esteve conectado com a etapa. Talvez o excesso de favoritismo tenha lhe feito mal, talvez tenha sido apenas derrotado para a inspiração de um surfista superior a ele na etapa, Yago.

De todo modo, com mais uma final de Robinson e apenas um tímido nono lugar do líder, a diferença entre os dois primeiros da temporada caiu bastante, para a casa dos 5 mil pontos. Agora, mais do que nunca, o surfista de Ubatuba deve se provar em Teahupoo – não mais apenas para ampliar sua credibilidade como surfista completo, mas também para pelo menos chegar à final com alguma vantagem na liderança.

Não é preciso lembrar que Robinson está babando pela chegada da etapa nas esquerdas quadradas do Taiti.

Tatiana Weston-Webb celebra vitória.

Tatiana dominante 

Tatiana Weston-Webb mostrou como se faz em J-Bay. Encaixada na direita, ela aplicou com precisão seus ataques de costas para a onda. Venceu o primeiro round e fez 17,20 nas oitavas de final, com direito a uma nota 9,27. Na semifinal, explorou bem o erro grosseiro de Carissa Moore, que rendeu a punição de uma interferência para a havaiana. Quem ainda critica este movimento definitivamente não entendeu a regra. Na final, se impôs mais uma vez tecnicamente, deixando Tyler Wright precisando de uma nota quase perfeita para virar a bateria.

O recado de Tati foi dado na hora certa, diante da proximidade de Trestles. Com a vitória, ela pula de sexto para terceiro no ranking, alcançando confortavelmente o corte da WSL Finals a uma etapa do fim da corrida. Agora, vai a Teahupoo, onde já fez boas sessões de surfe, confirmar sua condição de boa tube rider para a esquerda e, quem sabe, alcançar posição ainda mais confortável para a decisão de 2022.

Agora, é esperar pelo primeiro spray de Teahupoo.

Tati ataca as direitas de Jeffreys Bay com backside eficiente.