Dudu Pedra entuba, literalmente em estado de Shock. Foto: RecallQue!.

Já tive vontade de escrever sobre o Shock há um tempo atrás, mas a minha inspiração só chegou depois da última caída que fiz por lá. Inclusive sairam algumas fotos na coluna do Xandão. É uma missão muito difícil descrever em apenas um texto o que esse pico de inúmeros adjetivos significa para mim. Ficarei feliz se conseguir passar para vocês um terço da emoção que essa onda proporciona.

 

Tudo começou nas antigas, quando minha mãe me levava à praia todos os dias durante minha infância. Ficávamos sempre na Prainha – ou pocinho, para os mais antigos. É uma praia bem pequena, protegida por um arrecife e localizada no canto direito de Itacoatiara (RJ). Foi nessa

Pedra voa em uma vaca bizarra. Foto: RecallQue!.

época que começou meu contato com o mar. Se eu ficasse um dia sem brincar na praia, já ficava de mau humor.

 

Acontece que a minha mãe nem sempre tinha a disponibilidade de me levar e quando isso acontecia, ficava tão triste que nem me alimentava direito. Foi quando eu completei dez anos e a mãe fez um acordo comigo. Deixou que eu fosse à praia sozinho, mas com uma condição. Eu estava totalmente proibido de atravessar o arrecife, é onde fica uma baía cercada por pedras. Lá no fundo, no canto direito dela, fica o Shock.

 

Visual do pico. Foto: Pedra.

Todo essa preocupação se devia ao fato dos muitos pescadores que são sugados para essa baía e morrem ao tentar subir na pedra. Pra mim estava ótimo, tudo o que eu queria mesmo era brincar com a minha pranchinha de isopor, pegar as ondinhas de um palmo que quebravam na prainha.

 

Mais tarde, ganhei meu primeiro bodyboard e um pouco mais “rato de praia” pude deixar a prainha e comecei a surfar nas ondas de Itacoatiara. Fiz vários amigos e a partir daí o vício pelo esporte está comigo até hoje. Meus amigos na época eram: Giuliano Arinelli, Hérick,

Thiago Adipas entuba  no Shock de monstro. Foto: RecallQue!.

Rapadura, Cláudio Roberto – surfista de pranchinha e Patrik Bevan – também surfista e que vive na França. Todos tinham quase a mesma idade.

 

Nós sempre fomos muito competitivos entre nós e se um pegasse uma onda de meio metrão, a meta do outro passava a ser pegar uma de metro. Mas entre nós existia um pacto: nunca podíamos cair no Shock, o que signifcava suicídio. Sempre que vejo o filme “A Lagoa Azul”, me identifico com os dois personagens – a gatinha e o maluquinho, proibidos de ir ao outro lado da ilha.

 

Bruno Santos pura atitude. Um dos poucos que se aventuram no Shock de surf. Foto: RecallQue!.

Até que o grande dia chegou! Para meu desespero na época, um belo dia, todos esses moleques passaram na minha casa, bem cedo – completamente adrenalizados, dizendo: Dudu, vamos pro Shock, tem altas ondas! Já acordei caindo na gargalhada. Só podia ser brincadeira.

 

Que nada, os caras pareciam estar falando sério e eu não seria o único a amarelar. Peguei minha prancha e fomos correndo, no caminho ainda existia a esperança de que  fosse apenas um teste, algum tipo de pegadinha. Chegando na pedra do pampo, checamos as ondas, paramos por uns dez minutos, oramos e nos jogamos no mar. Na remada até o pico, não conseguia parar de pensar no trato feito com a minha mãe. E nas placas de aviso no caminho das pedras. Uma delas falava assim: aqui perdi um grande amigo, não pesque, pedra perigosa. Aos poucos fui ganhando confiança e peguei algumas ondas. Eu tinha uns uns 12 ou 13 anos na época e até os 16 escondi isso da minha mãe.

 

Com o passar do tempo fui ganhando coragem, conheci Ricardo Fernandes, Manoel Gordo, Cyrino e Eduardo Lage, que se jogavam lá. Com esses caras fui aprendendo muito sobre o pico e hoje tenho a experiência e a sorte de ter uns amigos loucos, são eles: Guilherme Correa, José Otávio, Giu Lara, Tiago Adipas e outros que me fazem sentir seguro quando estão por lá.

 

Para cair no Shock, é necessário superar alguns obstáculos e para isso é preciso muito know how:

 

Drop – Em 80% dos drops nesse pico a pessoa é arremessada do lip à base da onda, se não tiver a manha de aturar a despencada, corre um grande risco de se cortar todo na pedra, pois é nesse ponto que a bancada é mais rasa.

Lateral – As ondas do shock quebram ao lado de uma pedra exposta, sempre que se chega à base da onda, uma lateral te pega por baixo da prancha e, com sorte, vai ajudar a ganhar velocidade e sair do tubo, ou executar uma manobra espacial. Mas, se der azar e chegar à base na hora errada, pode ser esmagado entre a lateral e o lip – que não é nem um pouco leve.

Finalização – Com ondas acima de um metro, elas ficam mais extensas. No meio da baía do Shock existem umas “cabeças de pedra”, que surgem do nada. Ou seja, muitas vezes você passa pelo drop, encaixa no tubo juntinho com a lateral. E quando está curtindo aquele tubão azul, aparece um muro de pedra na frente. A única saída é largar a prancha e pedir a Deus que transforme a pedra em algodão. As vezes dá certo.

 

Essas dificuldades acontecem com o mar bom, se eu contar como é quando o mar está de leste,jogando pra cima da pedra, vocês vão me chamar de mentiroso. Por ser difícil e ao mesmo tempo tão boa, a galera local sempre se junta para conversar. Inevitavelmente um de nós lembra dos mares cabulosos e as ondas inesquecíveis.

 

Se você ainda é novo mas tem vontade de cair lá, siga o conselho da minha mãe: não caia até adquirir uma boa experiência com o bodyboard. Segue abaixo mais alguns conselhos:

1. Não vá até lá sem nenhum local te orientar;
2. Não use pranchas muito duras, a cavada deve ser muito rápida;
3. Se não tem experiência em subir em paredão de pedra, saia remando até a praia;
4. Use roupa de borracha para proteger a pele dos mariscos;
5. Nunca, jamais rabeie! Você pode matar alguém;
6. Surfistas, redobrem a atenção. A onda é muito rápida e nem sempre dá tempo de ficar em pé, a não ser que dropem do rabo. Mas a melhor opção é continuar no costão de Itacoatiara, lá tem altas ondas pra vocês;
7. Se você tem experiência, atitude e o mar estiver bom, não esqueça de filmar ou vai se arrepender;
8. E o melhor conselho, surfem com Deus ao seu lado, é a melhor proteção.

 

Confira aqui a galeria de fotos.

 

E o recado final para todos que estão prontos para cair nesse pico. Boa sorte e bom desafio. E respeitem os locais!