Florianópolis

Mar avança no Campeche

Praia do Campeche, em Florianópolis (SC), sofre com crescimento desordenado e erosão causada pelas fortes ressacas.

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Construções vão abaixo com forte ressaca no início de junho no Campeche.Anderson Coelho / ND Mais
Construções vão abaixo com forte ressaca no início de junho no Campeche.

Nas últimas semanas, moradores do Campeche, em Florianópolis (SC), viram várias construções serem destruídas por conta de uma forte ressaca. Apesar de ser comum nos meses que antecedem o inverno catarinense, o fenômeno do avanço do mar naquela região não atinge mais apenas a areia das dunas. Com o crescimento desordenado às margens da praia, a força da natureza carrega agora paredes de concretos.

Para o oceanógrafo Gabriel Gomes, em depoimento concedido ao Portal ND Mais, o processo de erosão é natural e ocorre em outras áreas do município, do Estado, do País e do mundo. Chamado de ‘balanço sedimentar’, o fenômeno precisa das dunas para fazer uma barreira contra as águas salgadas. As construções na areia, contudo, inviabilizam esse processo.

“A duna é a companheira da praia. Precisa dela para a erosão, mas o homem chegou muito próximo, tirou a proteção da onda do mar”, explica o pesquisador, que faz mestrado sobre o tema e monitora a região para uma dissertação na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).

Em imagens divulgadas no fim de maio, moradores mostraram os estragos na região. Em apenas uma noite, quatro casas foram interditadas por causa dos riscos. A Defesa Civil foi chamada e precisou bloquear o acesso a nove residências que tiveram as estruturas comprometidas. O local permanece sendo monitorado.

Conforme o decreto 112/1985, as dunas da praia do Campeche, assim como de várias outras regiões, são patrimônio natural e paisagístico do município de Florianópolis. Por isso, estão proibidas quaisquer atividades ou edificações no local. A área protegida compreende 121 hectares.

No entanto, conforme o oceanógrafo Gomes, as construções no local que tiveram início na década de 1960 só aumentaram com o passar dos anos, em especial a partir de 1980.

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A A.S.C vem informar que somos CONTRA o ENROCAMENTO que está sendo proposto para a região da Lomba, no Campeche. Não apenas por ser contrário a natureza, que no passado teve ação errada do homem, e que agora a própria natureza vem cobrar essa fatura, no vai e vem das águas do Oceano. As águas tem que se movimentar livremente! As dunas tem o papel de amortecer esse impacto! Lembrando q nos inícios dos anos 80 foi um grupo de surfistas da ASC que segurou a ocupação até aquele ponto da praia. Se hoje as pessoas circulam livremente da Lomba até a Joaquina, é graças a essa entidade q unia os surfistas da época para atividades em defesa da natureza. E esta foi e sempre será uma das bandeiras da ASC, a proteção de nossa natureza.

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Na publicação ‘Estudo de Crescimento Urbano de Florianópolis’, publicada ainda em 2015, a expectativa é que o Campeche atinja neste ano a marca de 48 mil habitantes. Na temporada de verão, o número de visitantes no local engorda a conta.

Questionada sobre as construções irregulares, a Floram (Fundação Municipal do Meio Ambiente) afirmou por nota que, mesmo em época de pandemia, realiza operações para “combater novas construções em dunas e nas demais APPs (Áreas de Preservação Permanente)”.

O órgão também disse que respeita a Constituição. “Ainda que possa haver alguma irregularidade na edificação, se essa for habitada, cumprindo a função social da propriedade, a intervenção somente será possível após decisão judicial definitiva que afaste as garantias constitucionais”.

A pasta disse ainda que analisa o interesse público e a viabilidade para uma possível obra na praia do Campeche, que possa minimizar os problemas de erosão da região. Não há previsão de um parecer sobre o projeto.
Imbróglio

Tema de análise do Executivo municipal, a obra é alvo de discussões entre a população. De um lado, a Amoje (Associação dos Moradores do Jardim Eucaliptos) quer que seja feito um enrocamento na praia. A construção esbarra na Amocam (Associação de Moradores do Campeche), que vê o projeto com receio.

A iniciativa tem por objetivo fazer uma obra de contenção do mar com pedras. No entanto, Alencar Valmor Vigano é contrário. Presidente da Amocam, ele defende que a obra pode aumentar o processo de erosão e causar ainda mais danos à praia.

Paralelo a isso, a comunidade aguarda uma nova decisão da Justiça sobre o processo que corre há dez anos e trata do assunto. Parado no TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), o processo deve decidir se as casas construídas nas dunas devem ser demolidas. A prefeitura também espera uma decisão.

“A Amocam defende que não se faça nenhum tipo de intervenção naquela área, antes que nós tenhamos uma decisão definitiva das pessoas naquela região”, disse Vigano.

Para o presidente da Amoje, no entanto, a obra de enrocamento é a “solução mais viável”. João Carlos da Silva, defende ainda que desde 2014 o Plano Diretor da Capital considera 85% da região predominante residencial.

A associação também afirma que todos os moradores pagam IPTU e possuem sistema de esgoto. Cerca de 920 famílias residem no local que pode ser atingido.

“A gente reconhece que o avanço do mar é inevitável, mas essa questão de proteção com o enrocamento é a solução. Isso é feito no mundo todo. Ela [a obra] é a forma mais viável no aspecto econômico, urbanístico, social e de acessibilidade”, afirmou João.

O estudo que a prefeitura analisa aponta que, se nada for feito, o mar pode avançar 100 metros em 42 anos. A análise foi conduzida pelo geólogo Rodrigo Sato, que se baseou na variação no nível do mar no local de 1978 até 2020.

Fonte Caroline Borges / ND Mais