Avanço do mar

Praias ganham muros

Devido mudanças climáticas, cidades do litoral brasileiro investem em obras de contenção para evitar avanço do mar nas áreas urbanas.

Orla do Pontal da Barra, Maceió (AL), recebe muro de contenção.Jonathan Lins / Secom Maceió
Orla do Pontal da Barra, Maceió (AL), recebe muro de contenção.

Devido as mudanças climáticas, as cidades do litoral de São Paulo e outros Estados investem em obras de contenção para evitar o avanço do mar nas áreas urbanas. Segundo o jornal Estadão, entre as medidas, estão paredes para segurar ressacas, barreiras submersas para amenizar as ondas e o alargamento de praias, com colocação de areia do próprio mar.

Especialistas afirmam que as medidas são paliativas, já que o aquecimento global vai tornar as ressacas mais frequentes e severas. Para eles, o mais importante é reduzir a ocupação da orla, o que geralmente ocorre sem planejamento.

Ainda de acordo com o Estadão, o governo federal iniciará em 2024 o Plano Clima, que vai liberar R$ 10 bilhões em dez anos para Estados e municípios executarem projetos de adaptação à mudança do clima, incluindo soluções locais para o aumento do nível do mar. O governo paulista informou ter desenvolvido um sistema de aviso de ressacas e inundações costeiras no litoral paulista e já treina agentes municipais para o uso adequado dos alertas.

No litoral de São Paulo, a prefeitura de Mongaguá está construindo muretas de contenção mais largas e altas para resistir à força das ressacas e marés em toda a extensão da praia. Em março de 2020, uma forte ressaca destruiu as muretas existentes e estragou calçadões e vias urbanas. Quiosques foram danificados, postes de iluminação, arrancados, e obstáculos de prédios caíram com a força das ondas, que arrastaram carros.

As características se repetiram outras vezes, a última em setembro deste ano, segundo o representante comercial Abílio Rosa, que mora em prédio de frente para o mar. “Eu estava com minha família no apartamento, no térreo, quando a onda inundou todo o estacionamento e chegou até nossa escada. Depois vimos que toda a avenida tinha virado mar”, conta.

Conforme a prefeitura, as ressacas entopem tubulações e bueiros, danificando a rede de drenagem. As obras da nova estrutura se concentram na Avenida Mário Covas, na orla da Praia Grande. A nova mureta está sendo reforçada com armações de ferro, enrocamento e fundações mais profundas. O muro terá cerca de 6 quilômetros de extensão, entre o centro e a divisa com a Praia Grande.

Em Ubatuba, litoral norte paulista, a prefeitura usou cerca de R$ 2 milhões para recuperar uma mureta de contenção do calçadão da Avenida 9 de Julho, depois de ter sido destruída por uma ressaca há dois anos. Na Praia do Itaguá, foi recuperado o muro de contenção da Avenida Leovigildo Dias Vieira. Este ano, ondas fortes voltaram a cobrir totalmente as faixas de areia e atingir a infraestrutura urbana nas praias de Ubatumirim, Tenório e Enseada.

São Sebastião vai construir muros de pedras e barreiras de concreto para recompor o leito de um rio que sofre o impacto das ressacas na Praia Toque-Toque Grande.

A cidade foi atingida por uma catástrofe climática em fevereiro, com a penetração de morros e o avanço do mar sobre a orla. Outras praias, como Boiçucanga, Baleia, Cambury, Barra do Una e Juquehy, estão com obras planejadas.

Sacolas de areia

Santos tem estudos para ampliar as barreiras de proteção compostas por geobags, enormes sacos de areia localizados abaixo da linha d’água para diminuir os efeitos das ressacas.

Nos últimos anos, algumas regiões da cidade foram invadidas por ondas fortes, causando destruição. O projeto foi iniciado em 2018, na Ponta da Praia, por meio de parceria entre a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Secretaria Municipal de Meio Ambiente.

A barreira submersa tem 275 metros de comprimento e é composta por 49 grandes sacos de material geotêxtil, fibras sintéticas resistentes, oferecidos em formato de ‘L’. Está instalado em frente à praia, a partir da mureta na altura das ruas Afonso Celso e Paula Lima. A função da barreira é diminuir a força das ondas e reter a areia movimentada pelas marés.

O Mapeamento do Instituto Geológico (IG), vinculado à Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo atualizado até 2017, mostrou que mais da metade das praias paulistas são previstas como de risco “alto” ou “muito alto” de erosão. Em um estágio mais avançado, as erosões na faixa de areia podem fazer com que algumas praias desapareçam.

Segundo a pesquisadora do IG, Célia Regina Gouveia, a situação só tende a se agravar porque o nível do mar está subindo. Das 98 praias paulistas avaliadas, 51,5% estavam com risco alto ou muito alto. Foram avaliadas 67 praias do litoral norte, 23 da Baixada Santista e 8 do litoral sul. Só duas praias aparecem em risco muito baixo: Toque-Toque Pequeno e Santiago em São Sebastião.

Segundo o estudo, o enchimento da faixa de areia é causado pela combinação de mudanças climáticas e fatores locais, como urbanização e outras interferências humanas.

“Os resultados evidenciam que nos últimos 15 anos a erosão vem aumentando nas praias de todo o Estado, seja por causas naturais e também provocadas por atividades antrópicas (causadas pelo homem) na orla”, diz a pesquisadora.

Engorda 

A ampliação da faixa de areia do mar, processo conhecido como engordamento, adotado em outros Estados, já é cogitado pelas prefeituras do litoral paulista.

Em Ilhabela, a Praia do Perequê desaparece durante as ressacas e a água já invadiu casas e danificou uma ciclovia. Outras cinco praias – Barra Velha, Itaquanduba, Engenho d’Água, Vila e Ponta do Pequeá – sofreram perdas de até 20 metros na faixa de areia devido ao avanço do mar.

A prefeitura elaborou um plano para engordar as praias usando areia do mar. O projeto, com custo estimado em mais de R$ 20 milhões, chegou a ser anunciado pelo prefeito Ton

Conforme a prefeitura, o plano foi suspenso devido à queda na arrecadação de royalties de petróleo. Em outras cidades, como São Sebastião e Bertioga, a técnica chegou a ser cogitada, mas não avançou.

Uma das principais atrações turísticas brasileiras, Balneário Camboriú , em Santa Catarina, recorreu ao engordamento da praia para evitar as ressacas que, segundo o município, invadiam a Avenida Atlântica e causavam estragos.

Outra razão é que o avanço do mar tinha reduzido a faixa de areia de 70 para menos de 20 metros. A sombra dos altos edifícios da orla foi projetada no espaço reservado aos banhistas.

As obras, de março a dezembro de 2021, recompuseram os 70 metros, sugando areia do próprio mar, mas seus efeitos ainda são treinados. Em novembro de 2022, surgiu um “degrau” na faixa de areia causada pela erosão. Em junho deste ano, as ressacas retiraram outros 70 metros de areia na ponta da praia, na Barra Sul. A prefeitura precisou realizar obras de contenção.

Balneário Piçarras, outra cidade catarinense, lançou em julho edital para realizar pela quarta vez o engordamento de sua praia, em um trecho de 3 milhas. O local já havia sido alargado outras três vezes, a última há dez anos, mas as ressacas e correntes marítimas levaram a areia para o mar.

No Paraná, o governo estadual concluiu em outubro o engordamento da faixa de areia em Matinhos. A praia foi alargada em até 100 metros numa extensão de 6,3 quilômetros.

Em Guarapari, no Espírito Santo, uma obra de R$ 102 milhões devolveu a faixa de areia que o mar havia arrancado da Praia de Meaípe. A faixa de areia, que praticamente havia desaparecido, voltou a ter 50 metros de largura em uma extensão de 3,3 quilômetros.

“O mar tinha levado a praia, não tinha como atender moradores e turistas. O investimento trouxe de volta a vida ao Meaípe”, disse o governador Renato Casagrande (PSB), ao entregar a obra, em setembro.

Outras cidades investem em obras para a contenção do mar. Em Maceió, Alagoas, a prefeitura já usou 15 mil blocos de concreto montáveis ​​para construir muros em quatro pontos da orla mais atingidos pelas ressacas. A técnica é holandesa e, segundo o município, tem vida útil de 200 anos. Serão mais de 2 quilômetros de barreiras em trechos das praias de Jatiúca, Jacarecica, Sobral e Pontal da Barra.

Fortaleza, no Ceará, construiu um sistema de espigões para conter as ondas que corroíam as praias. Criticadas pelo impacto visual, as estruturas viraram locais de lazer e prática de esportes, possibilitando também vistas panorâmicas. Em agosto, a prefeitura assinou contratos de concessão para a iniciativa privada de conservar os equipamentos em troca de sua exploração comercial.

O que dizem os especialistas

Para especialistas, essas medidas têm efeito paliativo e a solução seria evitar que os espaços que ainda restam nas praias sejam ocupados de forma indiscriminada.

“Paredes de concreto, como o muro de Mongaguá, não vão parar o mar. Se não forem feitas com soluções baseadas na ecoengenharia, as pessoas podem se beneficiar da chegada de espécies invasoras, que terão impacto na atividade pesqueira”, diz Ronaldo Christofoletti, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e especialista em Ciência do Mar.

A engenheira ambiental Luiza Amancio, com formação em Ciência e Tecnologia do Mar, também não vê efetividade em barreiras físicas. “Algumas são medidas de curto prazo e personalizadas sem apoio de especialistas. Ao tentar corrigir um problema, causam-se outros que podem fomentar mudanças climáticas a nível local, regional e até global.”

Segundo ela, o oceano é único e não geograficamente segmentado, como se aprende na escola. “Enquanto um município costeiro adotar medidas de adaptação e seu vizinho não, os benefícios serão reduzidos pela interação conflituosa entre os ambientes. O foco continua na adaptação às mudanças climáticas, e não no enfrentamento. É necessário tornar os municípios resilientes ao melhorar, por exemplo, a gestão de uso e ocupação de solo”, diz.

É também a opinião de Christofoletti, para quem houve “erro total” na ocupação da orla. “Vem de um processo de ocupação intensa do litoral, não qual o ser humano regular que está melhor quanto mais próximo da linha da água. Muitos prédios foram construídos quase dentro da água. A ocupação significou a retirada da restinga, dos manguezais e da Mata Atlântica, que têm papel importante no amortecimento de ressacas, que são processos naturais, mas a frequência e a intensidade delas estão aumentando.”

O que resta, segundo ele, é pensar em um plano de readaptação. “Nas áreas consolidadas onde, não se tem mais o que fazer, usar soluções básicas na natureza para mitigar impactos. Há áreas que terão de ser desmontadas e aquelas onde não vai poder construir. Não é algo fácil de fazer, pois já existem projetos no Parlamento para o desprovimento das áreas de marinha, permitindo que sejam ocupados. Isso pode levar a uma grande especulação para ocupar essas áreas.”

Alguns municípios paulistas adotam iniciativas na direção apontada pelos especialistas. Em Santos, o plano de ação climática tem 50 metas a serem cumpridas até 2050. Um dos eixos previstos reverte o plano diretor, evitando a ocupação de áreas sujeitas à ação do mar, o outro fala em mapear e elaborar um plano habitacional para áreas de risco.

Em Ilha Comprida, litoral sul paulista, depois que o avanço do mar causou grandes prejuízos em 2016, quando uma forte ressaca danificou casas e destruiu totalmente uma pousada, o município passou a barrar construções a menos de 200 metros da faixa de areia ou em áreas de risco. Em 2021, seis construções irregulares foram demolidas.

Orla ameaçada

Os especialistas apontam que a elevação do mar devido ao aquecimento global e a redução das geleiras nos polos é uma realidade. “Conforme o aquecimento global se amplia, temos também alteração na temperatura do oceano, nas correntes oceânicas e na massa de ar. Isso leva a ter força maior na chegada das ondas na região costeira”, explica Christofoletti.

As cidades do litoral sofrerão mais, porque além das chuvas e da temperatura, terão o impacto da água do mar. “Precisamos de um plano claro de adaptação costeira, já que pouquíssimos municípios têm plano de gestão da costa. É urgente mapear as áreas que ainda não foram ocupadas e garantir a não ocupação, respeitando os 200 ou 300 metros da linha da água”, diz o pesquisador da Unifesp.

Luiza lembra que a lei federal de 1988 que distribuía o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, do qual deriva o Projeto Orla, teve a adesão de apenas 20% das cidades litorâneas até 2008. “É preciso atualizar as políticas locais de enfrentamento à mudança do clima , com maior número de atores da sociedade na tomada de decisões, bem como investimentos em municípios adjacentes a fazerem o mesmo, a fim de promover maior resiliência climática”, diz o especialista.

Governo Federal diz adotar medida

O Ministério do Meio Ambiente informou que coordena o Plano Nacional sobre Mudança do Clima – Plano Clima, que prevê ações em conjunto com órgãos federais para definir estratégias nacionais e planos setoriais de mitigação no período de 2024 a 2035.

Dois planos setoriais têm ações de prevenção à elevação do nível do mar e seus impactos. Segundo a pasta, o Fundo Clima vai disponibilizar cerca de R$ 10 bilhões aos Estados e municípios para projetos que levem em conta o aumento do nível do mar.

A Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura de São Paulo disse que os agentes das defesas civis dos municípios costeiros estão sendo treinados para usar o Sistema de Aviso de Ressacas e Inundações Costeiras de São Paulo (Saric), desenvolvido em parceria com o Instituto de Pesquisas Ambientais , o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Instituto Oceanográfico da USP e a Universidade Santa Cecília.

O sistema combina modelos numéricos associados ao comportamento de marés, ventos e erosão costeira, permitindo a emissão de alertas com maior antecipação. O Saric está incorporado aos sistemas de alerta da Defesa Civil, que utiliza plataformas para distribuição dos alertas, inclusive por celulares.

Fonte Estadão

 

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