Surfe e Medicina

Saúde nas Olimpíadas

Dr. Guilherme Vieira Lima aborda os aspectos da saúde na estreia do surfe nas Olimpíadas.

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Italo durante treinamento físico pesado no Japão.

Surfe nas Olimpíadas: novidade, surpresa, ansiedade, euforia, insônia, raiva, tristeza e finalmente, muito orgulho e alegria. Estes são alguns dos sentimentos vivenciados por nós brasileiros amantes deste maravilhoso esporte.

Do ponto de vista da saúde, gostaria de aproveitar a oportunidade para destrinchar alguns elementos importantes e pouco lembrados, desta estreia do surfe.

Assim que se encerra uma edição olímpica, é inevitável para um atleta e sua equipe já iniciarem os planejamentos para a próxima. Nomeamos esse período de ciclo olímpico. No caso de um esporte estreante, a organização não é tão simples como nas outras modalidades tradicionais. Tudo é novidade, todos são inexperientes nesta situação.

No caso do surfe, muito da rotina utilizada no Circuito Mundial da WSL provavelmente foi aplicada nos Jogos, com a grande diferença do campeonato ser decidido numa única etapa, em que toda a atenção do mundo dos esportes está direcionada. Indiscutivelmente, esse elemento é um fator gerador de estresse psicológico e físico. Vale lembrar que a maioria dos surfistas olímpicos não participam da elite da WSL, e não possuem uma estrutura multidisciplinar como as dos Tops mundiais.

Outro aspecto dos Jogos realizados no Japão é o processo de adaptação. A mudança brusca do fuso horário e o ambiente de isolamento requerem um período delicado de ajuste biológico do corpo, que às custas do momento de pandemia, não foi possível de ser realizado de forma plena.

No ramo psicológico, a ansiedade gerada em torno dessa inauguração da modalidade é fator expressivo e decisivo, num esporte de alta performance, em que as decisões estratégicas num mar difícil (como ocorrido), estão diretamente relacionadas aos resultados.

Do ponto de vista clínico, o mundo ainda vive um período pandêmico de uma nova doença, na qual as sequelas secundárias à sua infecção ainda são incertas. A literatura científica sobre o coronavírus na população esportista de alta performance ainda é muito escassa. É sabido que a infecção produz “cicatrizes” cardiopulmonares por longos períodos mesmo após a sua cura. Tal condição, num ambiente de estresse competitivo como nas Olimpíadas, pode causar graves consequências à saúde.

John John Florence não esteve 100% fisicamente nos Jogos.

Na área ortopédica vale ressaltar os casos do Kolohe Andino e John John Florence, que acabaram se enfrentando no Round 3 eliminatório. Ambos passaram por lesões que colocaram suas participações olímpicas em risco. Imagino que juntamente com suas equipes (incluindo fisioterapeutas, médicos, treinadores e psicólogos) os atletas debateram diversas vezes sobre a estratégia. Principalmente no caso do surfista havaiano, no qual a técnica cirúrgica (aparentemente) realizada ainda não é unânime entre os cirurgiões de joelho*. Acabada a competição, apesar de suas colocações, ambos participaram da inauguração do surfe nos Jogos.

Avaliando a parte organizacional e infraestrutura, importantes pontos devem ser lembrados. A barreira de comunicação das línguas, num momento emergencial de um evento adverso, pode ser problemática. Por isso, interpretes experientes e habituados com termos médicos devem ser treinados. Diferente das modalidades de quadra, o surfe reuniu num mesmo local e momento, atletas e staffs do mundo inteiro, das mais diversas culturas e línguas, sendo assim, o fator falha de comunicação está ainda mais vulnerável.

Além disso, nosso esporte é praticado na praia, ambiente não controlado e sujeito a grandes variações, o que também deixa a modalidade mais vulnerável. Observamos uma grande variação do mar entre os primeiros dias de competição até os dias das finais, por isso, uma experiente equipe de resgate deve ser treinada para todos os tipos de situação. Felizmente, nenhum imprevisto aconteceu.

Devido ao controle do número de pessoas, muitas equipes foram desfalcadas do seu staff de saúde (médico e fisioterapeuta), e isso pode interferir diretamente no resultado final do atleta. Atualmente, com o avanço da medicina e da tecnologia, o serviço de telemedicina se desenvolveu muito. A comunicação áudio visual melhorou e facilitou a interface dos atletas com os membros da sua equipe, de forma remota. Surgiram muitos dispositivos e aplicativos, como o caso do SID, que permite essa comunicação e orientação à distância.

Uma vez realizada a estreia, podemos já iniciar nosso ciclo olímpico para a próxima edição dos jogos. Tudo indica que a sede do surfe será em Teahupoo, palco de incríveis ondas e ambiente paradisíaco. O ciclo de preparação será mais curto (3 anos), e esperamos que tanto o Comitê Olímpico como as equipes participantes já iniciem as suas estratégias para um excelente evento.

Colocamos a nossa bandeira na história das Olimpíadas e isso ninguém nos tira! Parabéns a todos brasileiros surfistas e suas equipes, vocês nos representaram muito bem.

*(a técnica provável foi a reinserção do coto do ligamento cruzado anterior com um reforço tipo “internal brace”).

Gabriel Medina há muito anos investe pesado nas rotinas de treino fora d’água, junto com o seu preparador físico Allan Menache.