Surf & Aventura

O padrão Filipe Toledo

Alex Gutenberg analisa como as performances de Filipe Toledo podem mudar radicalmente os critérios de julgamento do surfe.

De tempos em tempos os esportes mudam radicalmente – é o que está acontecendo agora no surfe, com o surgimento de Filipe Toledo.

Acredito que todo mundo já falou o possível e o impossível sobre o menino de Ubatuba que está mudando o surfe competição e até o julgamento do esporte. Eu aposto que juízes e head judges estão quebrando a cabeça sobre como pontuar as ondas do Filipinho, principalmente quando são para a direita. Vou tentar explicar o que está acontecendo em termos de esporte.

De tempos em tempos os esportes mudam radicalmente. Bem, ao longo dos anos, várias pequenas mudanças vão ocorrendo, ora por causa de materiais mais modernos, ora por causa do desenvolvimento médico-biológico dos atletas que contam com nutricionistas, fisioterapeutas particulares e médicos pesquisadores. Mas mudanças radicais são raras.

Algumas são obrigatórias para que o esporte não caia numa mesmice e vençam sempre os mesmos – aconteceu isso no basquete americano nos anos 60 por causa de um jogador de 2,15 de altura, Wilt Chamberlain, que fazia 30, 40 pontos por partida e ainda pegava 20, 30 rebotes. Mudaram na marra. Depois nos anos 80 para que o esporte não favorecesse apenas os jogadores altos, a NBA adotou a linha de três pontos. Tudo funcionou bem e foi vibrante.

Algumas mudanças acontecem por causa de marketing e faturamento. Foi o caso do vôlei nos anos 1990 que teve de eliminar a “vantagem”, jogar os pontos corridos para que as partidas terminassem em menos de três horas e fossem viáveis para a televisão que pagava dinheiro alto.

Outras mudanças acontecem por causa dos atletas mesmo. Citei o Chamberlain ali em cima, mas até o boxe mudou por causa do Muhammad Ali. O tênis teve que mudar por causa das raquetes de compostos mais poderosas, que apareceram na geração de Boris Becker, Pete Sampras e Andre Agassi – fazendo as clássicas raquetes de madeira irem para o museu. Na natação aconteceram mudanças nas roupas de neoprene que permitem deslizar mais na água e fazer com que o competidor ganhe preciosos décimos de segundo.

Basquete americano nos anos 60 teve que mudar por causa de um jogador: Wilt Chamberlain.

Mas o que o surfe tem a ver com tudo isso? Bem, o surfe foi evoluindo principalmente por causa das pranchas que permitiram surfar em locais nunca antes desafiados, como Pipeline, por exemplo. De longboards com uma quilha, vieram as minimodels, as biquilhas e as triquilhas. E todo o material moderno e mais leve de laminação, assim como o design e shape com a precisão de computadores e até robôs. As roupas para água fria também ajudaram o esporte evoluir e acrescente o treinamento profissional dos atletas – nutricionista, fisioterapeuta, personal trainer, etc.

Agora, na segunda década do milênio surge Filipe Toledo. A mudança que ele está proporcionando no surfe, talvez ele nem saiba disso, é conceitual e de refinamento do esporte. Ele elevou o esporte para um outro patamar. Bem, isso todo mundo percebeu. Mas é diferente – Filipinho é desses atletas que comandam a competição, no sentido de que ele é quem dita os critérios de julgamento.

Os próprios juízes devem estar com a cabeça embaralhada ao ver tanta velocidade, tanta técnica e tanta coragem para tentar manobras absurdas. O maior adversário de Filipe é o Filipe. Que bom! Os juízes terão que mudar os conceitos e alertar os outros surfistas – ‘olha se você não ousar, desafiar as ondas, usar tremenda velocidade e enfiar a borda na onda como faca quente na manteiga, você não vai receber as mesmas notas do Filipinho, sinto muito’. É isso!

Filipe Toledo, o menino do Brasil, está vencendo baterias (e etapas) segundo seus próprios critérios. Ele dita a ordem, a qualidade das manobras nas ondas, ele deu novos padrões para todo mundo. E não estou falando de aéreos. Filipe Toledo é quem propôs os novos termos – “se você quiser me vencer, terá que me vencer no meu estilo-velocidade-radicalidade-desafio-criatividade. Tente se puder” – é essa a mensagem que Filipe está mandando, mesmo sem perceber, para o mundo do surfe – juízes, dirigentes, surfistas e espectadores – agora é no meu padrão.

Sete vitórias em sete finais exalta o espírito guerreiro de Filipe Toledo.

Mesmo Martin Potter e Shaun Tomson, além de outros comentaristas veteranos de surfe, perceberam isso e acham que é uma grande mudança nos campeonatos – eles afirmaram claramente que Filipinho elevou a barra de julgamento do surfe. Uma nova maneira de ver o surfe. Uma nova maneira de julgar. Não, não se trata de exagero. O que está acontecendo – sete vitórias em sete finais – é apenas o começo. Alguém duvida que Filipinho, em breve, irá comandar as esquerdas também? E as ondas grandes, algum problema para ele nos próximos anos? De jeito nenhum. Se alguém quiser vencê-lo, terá que ser nos padrões dele, vai ter de arriscar, lutar muito, inovar e meter aquela velocidade absurda que Filipinho andou em Jeffreys Bay.

O garoto de Ubatuba domina a prancha (e que prancha mágica) domina a onda, domina o seu corpo e equilíbrio, domina a técnica e fundamentos do esporte e agora passa a dominar o vento. Ayrton Senna, Roger Federer, Wilt Chamberlain todos eles – quer derrotá-los? É segundo os parâmetros deles. Quer derrotar o Filipinho? Segura que eu quero ver.

Etapa em Teahupoo vai separar os meninos dos homens competidores.© WSL / Cestari
Etapa em Teahupoo vai separar os meninos dos homens competidores.

Notas

– As ondas do Taiti são venenosas. Todo mundo sabe disso. Mas este ano elas vão ser um marco para o WSL, porque vão separar os meninos dos homens competidores.

– Os jogadores croatas, depois de duas prorrogações nas oitavas de final e nas quartas de final, mostraram o que é competir mesmo na prorrogação da semifinal contra a Inglaterra. Exaustos, esgotados, mas viraram o jogo e foram para a final. É isso que falo para atletas brasileiros. Tem de tirar o máximo de lugares na mente que ainda não foram explorados por eles.

– Em Teahupoo eu torço para o Gabriel Medina. Favorito.

– Na coluna anterior eu falei que em breve teríamos campeonatos de aéreos. Aconteceu. Aliás virão dois por aí.

– O Kelly Slater é espertíssimo. Aos 45 anos, ele sabe que não tem mais preparo físico para competir em mar, e está tentando de todas as maneiras levar as competições para as piscinas. Claro, e para o rancho dele. Ali ele não precisa ficar remando, furando onda, caindo, etc. É mais tranquilo.

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