Open J-Bay

7 vitórias, 7 finais, surfista 77

Tulio Brandão fala sobre o bicampeonato de Filipe Toledo em Jeffreys Bay e a corrida pelo título mundial.

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A vitória em Jeffreys Bay joga novamente holofote sobre a óbvia capacidade de Filipe Toledo em decisões.

Sempre gostei da tola brincadeira com números. Mais que isso, é um vício, admito. Quando estou dirigindo, somo automaticamente números das placas de carro à minha frente. Tenho uma relação tão íntima com o 12 que o número está no nome da minha empresa. Sonho com 237, descubro que é a página do livro que estou lendo.

Na sempre bem desenhada (e, talvez, por isso, pouco surpreendente) onda de Jeffreys Bay, a sétima vitória, em sete finais disputadas na elite, do surfista de número setenta e sete, foi especialmente simbólica. Não pela associação com a coincidência dos números que estampam a lycra de Filipe Toledo, agora na reluzente cor amarela de líder, mas pelo que essa incrível sucessão de vitórias em decisões pode nos revelar.

Para começar, muito provavelmente se trata de uma marca inédita no esporte. Sem precedentes. Não temos a confirmação oficial disso porque a WSL não organiza seus dados de modo a facilitar a consulta rápida. Escrevi recentemente à gerente global de mídia sobre a importância de um trabalho mais consistente com o banco de dados da entidade – o cruzamento de informações é, hoje, ferramenta indispensável para a ampliação do conhecimento sobre o esporte e, por tabela, de marketing.

Para além do recorde, a vitória joga novamente holofote sobre a óbvia capacidade de Filipe em decisões, já exaustivamente discutida por aqui. O modo “estou na final, não tenho mais nada a perder” continua vivo e operante. Indiscutível. Mas um outro olhar nos faz perceber que, na verdade, Filipe costuma ser avassalador em eventos inteiros, e não apenas nos dias decisivos.

Em algumas ondas do circuito, ele está sensivelmente acima de seus adversários, e em quase todas as vezes que isso aconteceu confirmou a superioridade. Algumas exceções – entre os quais Trestles antes de sua primeira vitória e uma ou outra prova de Snapper (especialmente a da contusão) – servem para confirmar a regra.

Foi a sétima vitória, em sete finais disputadas na elite, do surfista de número setenta e sete.

A diferença de 2018 para outros anos é que, desta vez, fora de sua zona de conforto, ele tem conseguido caminhar para alguns resultados relativamente consistentes, como o quinto lugar em Uluwatu. Não pipocam mais em sua lista de resultados repetições de décimos-terceiros e vigésimos-quintos, alternados com vitórias.

Essa é a mudança que pode ser decisiva para o título. As vitórias, estranhamente, não são a grande novidade. A constância de resultados, seu maior desafio, é a diferença de Filipinho em 2018. A partir do dia 10 de agosto, ele terá a oportunidade de pôr a prova, na decisiva Teahupoo, seu novo modo consistente.

A prova do Taiti carrega, por mais que alguns discordem, um símbolo subliminar importante ao validar candidatos a título mundial. Tecnicamente, Filipe pode, sim, ser campeão mesmo com um vigésimo-quinto marcado na sétima etapa, mas legitimará sua posição decisivamente junto à comunidade do surfe se fizer uma boa prova. Um quinto lugar na esquerda mais potente da elite bastaria para acalmar os ânimos.

Não lembro de sequer um campeão mundial nos últimos anos que não soubesse lidar bem com as bolas de espuma assustadoras de Teahupoo. Quem, no início da carreira, não tinha muito traquejo ali, como Mick Fanning e Adriano de Souza, entendeu que teria de gastar horas de treino no lip grosso para alcançar o pacote de técnicas aparentemente necessário ao título mundial.

Depois de Teahupoo, ele tem um caminho relativamente seguro até a última etapa do ano. Venceu em Portugal, tem potencial para vitória na França (embora jamais tenha feito uma final lá), é um dos favoritos na piscina de ondas e, a julgar pelos últimos anos, surfará a última etapa com certo conforto em Backdoor, de frente para a onda.

Sem problemas com a onda taitiana, os dois outros brasileiros na briga pelo título, Gabriel Medina e Italo Ferreira, vivem situações distintas na temporada.

Italo Ferreira, entre as duas primeiras vitórias da carreira em 2018, com performances mágicas e inquestionáveis, vive a montanha-russa já experimentada por Filipinho e outros.

Italo, entre as duas primeiras vitórias da carreira em 2018, com performances mágicas e inquestionáveis, vive a montanha-russa já experimentada por Filipinho e outros. Fora as duas conquistas, ele tem, além do vigésimo-quinto lugar na última etapa, em J-Bay, outros três décimos-terceiros. Todos descartes de má qualidade. Em algum momento, não sei se nessa temporada, ele deve encontrar um caminho constante.

A favor dele, há a mudança ocorrida em 2018, agora com a ampliação da diferença entre a vitória e das demais colocações. Se sair vencendo provas no resto da temporada, vai acabar com o título. Mas não é fácil ser mágico em tantas arenas.

Gabriel, por sua vez, já passou por todas as fases de seus conterrâneos: como rookie, vencia com assombro e perdia de cara; e, em 2014, equilibrou vitórias e resultados constantes. Agora, vive um momento de maturidade, ao alcançar as quartas-de-final com bastante frequência, além de uma semifinal surpreendente em Bells, mas parece ter assumido um modo mais conservador.

Este ano, perdeu o que seria, em tese, uma oportunidade de se descolar: Uluwatu. Gabriel não pode perder a oportunidade onde é reconhecidamente o melhor.

Pesa muito a seu favor o histórico incontestável nas próximas etapas. Já venceu pelo menos uma vez todas as provas, à exceção de Pipeline, onde tem dois vices. (Na piscina de onda, foi campeão do evento-teste, realizado ano passado.)

Em suas últimas vitórias, ano passado, não fez provas mágicas, como era regra no passado (e como, atualmente, tem sido com Filipe e Italo). Pode parecer um problema, mas não: Gabriel aprendeu a vencer sem ser sempre um “freak”, prática comum a campeões do mundo (Kelly Slater e Mick Fanning que o digam). De todo modo, até para voltar a se descolar de seus adversários, é sempre bom fazer valer sua mágica.

Um bom caminho é Teahupoo, onde é favorito pelo histórico e pela técnica.

Para Tulio Brandão, Gabriel Medina vive um momento de maturidade, mas parece ter assumido um modo mais conservador.

O outro candidato firme ao título, Julian Wilson, surfou bem em J-Bay. Não vi, desta vez, sobrevalorização de suas ondas. Ao contrário. Perdeu, em disputa controversa, que poderia ter sido julgada a seu favor, para o local Jordy Smith, nas quartas-de-final.

Julian é mais um surfista, ao lado de Gabriel, que vive a fase mais madura. No caso do australiano, a opção foi por um ano de pouco brilho e muita regularidade. Em algumas oportunidades, venceu com médias inferiores a dez pontos. Pelo menos no papel, fez o suficiente apenas para derrotar adversários nos 30 minutos de bateria – mesma lógica inteligente que levou Adriano de Souza, em seu melhor ano, ao título de 2015.

Assim como Gabriel, o australiano tem histórico fortíssimo nas etapas restantes. Já venceu em Pipeline, Portugal e Taiti, além de ter um vice na França. Será osso duríssimo em Pipeline, caso a temporada seja decidida na última prova do ano.

Um pouco atrás na briga, Jordy Smith não pode ser descartado. Apesar do histórico amplamente negativo de apagões em retas finais, este ano, desde Keramas, o sul-africano acordou para a temporada, com duas semifinais e um quinto lugar. Assim como Filipe, ainda precisa provar competência na grossa esquerda de Teahupoo.

De volta a J-Bay, Filipinho foi pelo segundo ano seguido o melhor do evento, mesmo usando pouco o recurso das manobras aéreas. Seu surfe se encaixou definitivamente na onda sul-africana, e manobras progressivas aparecem apenas como uma cereja no bolo. Os holofotes precisam ser apontados também para o bom de borda Wade Carmichael, estreante que, sem fazer barulho, já ocupa, agora com duas finais, a sexta posição no ranking. Gosto muito de seu surfe – mais que isso, acho seu sucesso na elite fundamental à sobrevivência dos movimentos clássicos no esporte.

Assim como Medina, Julian Wilson tem histórico fortíssimo nas etapas restantes.

O evento teve ainda uma boa surpresa, o agora japonês Kanoa Igarashi, que se aproveitou do swell sem muita força nos dias finais para produzir notas altas durante o evento, além do favorito de sempre Jordy, que ficou na semifinal.

Em J-Bay, onde o desenho da linha na onda é parte essencial da performance, sempre sentirei falta de surfistas como Mick Fanning ou mesmo de Joel Parkinson no auge de sua carreira. O anúncio da aposentadoria de Parko é um sintoma de que a escola das linhas finas merece ser renovada. Wade e Filipe, em ali, estão no caminho certo.

Sem Copa, num ano em que o Brasil domina completamente o surfe, é hora de torcer por um esporte que, hoje, é o mais imprevisível e atraente do mundo, numa arena de vida ou morte, arrebatadora.

Não foram poucos os problemas de transmissão com o Facebook neste evento, o que é mais um sinal de que a entidade anda realmente com problemas sérios de gestão. Mas é importante dar, neste caso, o crédito à WSL, entidade que fechou com Mark Zuckerberg para pelo menos adiar a cobrança da transmissão ao público. Os custos são altíssimos e, ao que parece, as receitas nem tanto.

Prefiro, antes de ampliar a crítica, dar um tempo à entidade para fazer as adaptações necessárias. O fato é que eles entregam, faz bastante tempo, a transmissão online, ao vivo e de graça, com uma qualidade espetacular, do esporte que mais amamos na vida.

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