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Com que roupa?

Colunista Jun Hashimoto explica quais são as melhores alternativas para uma moda mais sustentável.

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Nos vestimos e raramente nos damos conta de qual material foi utilizado na produção da nossa roupa.

Se você abrir o seu guarda-roupa agora, com certeza poderá escolher as suas roupas preferidas. Aquela bermuda de praia que não prende no surfe e seca em alguns minutos, o moletom favorito para checar o mar nas manhãs de inverno, aquela jaqueta que te protege da chuva, a camiseta mais confortável de tanto usar. Nos vestimos e saímos para a vida, e raramente nos damos conta de qual material foi utilizado na sua produção, se o tecido foi fabricado com fibras naturais, sintéticas ou uma mistura delas.

Neste artigo iremos comparar as vantagens e desvantagens do uso de tecidos sintéticos e tecidos naturais na confecção de roupas, a sua funcionalidade e performance assim como os impactos ambientais da sua produção, mostrando alternativas para uma decisão consciente na escolha da sua próxima roupa favorita.

Geralmente, quando adquirimos uma roupa, escolhemos a nossa marca favorita, conhecida pelo estilo de vida que ela traduz, ou pela relação custo/benefício e a sua funcionalidade, ou então pelo visual alinhado às tendências de moda. Porém, se retirarmos os aspectos acima citados e analisarmos um pouco mais a fundo a matéria prima em que a roupa foi feita, chegaremos à conclusão de que a nossa escolha pode trazer benefícios para o nosso planeta.

O que são tecidos naturais e sintéticos?

Os tecidos naturais como o algodão, seda e lã são fabricados com fibras provenientes de animais ou plantas, enquanto os sintéticos são puramente criados pelo homem através de processos químicos, tais como o nylon, poliéster, rayon, acrílico e muitos outros.

O algodão sem dúvida é o tecido preferido dos séculos XIX e XX e vem sendo utilizado por alguns milênios – suas origens datam de época Neolítica (5000 a 6000 A.C.) e foi introduzido em grande escala em torno de 2000 a 1500 A.C. na região da Índia e Paquistão.

Hoje em dia o algodão representa em torno de 40% da produção mundial de roupas.
A primeira fibra sintética foi o Nylon, sintetizada pela empresa DuPont por Wallace Hume Carothers e sua equipe em 1930. Em 1939 passou a ser comercializada na fabricação de meias e meias-calças femininas em grande demanda na época, substituindo a seda por ser “forte como aço e fino como uma teia de aranha”.

Com a Segunda Guerra Mundial, o nylon passou a ser usado na fabricação de material de uso militar, como os paraquedas e suas cordas, e se tornou um sucesso no mundo. As fibras sintéticas derivadas do petróleo haviam chegado para ficar.

A demanda das fibras sintéticas para vestuário, como o poliéster, aumentaram muito após os anos 80. Hoje em dia, o avanço tecnológico aplicado às fibras de poliéster e a combinação com outras fibras fizeram com que muitas marcas famosas incluíssem o Poliéster em suas coleções, estabelecendo-o como a fibra mais utilizada no mundo, superando o algodão. Estima-se que em 2020 a demanda por fibra de poliéster será em torno de 100 milhões de metros cúbicos.

A diferença na produção mundial entre de Poliéster, algodão (cotton) e lã (wool) só tende a aumentar.

As diferenças e características entre as fibras naturais e sintéticas

Os tecidos fabricados com fibras sintéticas (poliéster) são excepcionalmente duráveis, resistentes e flexíveis. Não encolhem ou amassam e devido a sua natureza sintética, secam rapidamente, o que é uma vantagem para as roupas “outdoor”e de prática de esportes. As fibras sintéticas também são mais baratas de produzir.

Fibras sintéticas: Poliéster

Características

Não permeável (não respira)
Durabilidade e resistência
Não encolhe ou deforma e não amassa
Forte e leve
Fácil tingimento
De fácil cuidado e fácil lavagem
Secagem rápida
Flexibilidade
Não biodegradável

Os tecidos fabricados com a fibra natural, como o algodão, são absorventes e permeáveis, macios ao toque, resistentes e de fácil lavagem. São hipoalergênicos (melhores para peles sensíveis) e confortáveis para o uso o ano inteiro. Sendo natural, tende ao encolhimento e tem pouca resiliência sob pressão.

Fibras naturais: Algodão

Características

Permeável (respira)
Absorvente
Confortável e macio
Retém o tingimento
Fácil de lavar
Boa resistência
Caimento excelente
Biodegradável

Impacto da produção no meio ambiente

A maioria das pessoas prefere o algodão ao poliéster por tratar-se de uma fibra natural, mas, surpreendentemente, se considerarmos o impacto da produção no meio ambiente, as duas fibras são bem similares.

As duas são manufaturadas em usinas de processamento onde passam por múltiplos processos que envolvem enzimas e aditivos como detergentes, amaciadores e descolorantes químicos que em sua maioria são tóxicos para o ser humano e para o meio ambiente.

O algodão industrial requer uma grande área de terra cultivável e muita água para crescer, e utiliza-se maquinário pesado para sua colheita. Estima-se que em torno de 2.700 litros de água são necessários para o cultivo do algodão que é utilizado para se confeccionar uma camiseta. Apesar de recentemente constatar-se certa redução na quantidade, estima se que 25% de todo pesticida usado na agricultura mundial é destinado ao cultivo do algodão.

O Mar de Aral praticamente desapareceu depois de anos de cultivo de algodão em suas margens.

O poliéster quase não necessita de água para sua produção, mas no processo de produção são usados produtos químicos e agentes tóxicos e cancerígenos, que, se emitidos no ar ou na água sem o devido tratamento, podem causar danos irreversíveis ao meio ambiente. A produção de poliéster utiliza menos energia que a produção do nylon, mas requer o dobro de energia em comparação com o algodão industrial.

O aspecto mais positivo do poliéster e do nylon é que eles podem ser totalmente reciclados e podem ser fabricados a partir de plásticos recicláveis, o que significa que não é necessário utilizar o estoque virgem de sua matéria prima, o petróleo.

O impacto no meio ambiente após a sua produção

O algodão e as fibras naturais são biodegradáveis (material que pode ser decomposto com agentes biológicos) e eventualmente irão se desintegrar após serem descartados.
As fibras sintéticas, porém, não são biodegradáveis e podem levar mais de 30 para começar a se decompor. Além disso, são obtidas a partir de recursos não renováveis como o petróleo e combustíveis fósseis.

As fibras sintéticas, apesar de estarem presentes em nossas roupas e não aparentarem ser plástico, não deixam de trazer as mesmas implicações para o meio ambiente.

Outra preocupação são os resíduos de microplástico e microfibras encontrados nos oceanos, rios e lagos, invisíveis a olho nu, provenientes das águas residuais das máquinas de lavar residenciais e industriais.

Estudos recentes mostram o problema de saúde causado nos plânctons e outros organismos que ingerem estas fibras e as levam até o topo da cadeia alimentar. Pesquisas revelam um grande número de microplásticos nos peixes e crustáceos vendidos nos mercado, e ainda não sabemos das consequências que estes problemas podem trazer no longo prazo.

E agora, quais as opções?

Abaixo estão listadas algumas fibras naturais como opções para substituição do algodão industrial:

Algodão orgânico

Sem dúvida, o algodão orgânico é um grande passo para uma indústria têxtil mais sustentável, livre do uso de pesticidas e adubos químicos. Porém o consumo de água e a utilização de grande área para o seu cultivo é o mesmo.

Cânhamo, mais conhecido como “Hemp”

O cânhamo tem sido cultivado há milênios. Testes de carbono sugerem que os primeiros tecidos de Hemp datam em torno de 8000 A.C.! O cânhamo foi utilizado extensivamente nas frotas dos exploradores do século XV e XVI na confecção de velas e cordas dos galeões e embarcações.

Por ser uma erva, o cânhamo cresce densamente, estrangulando todas as plantas ao seu redor, não necessitando assim de herbicida, e também é naturalmente resistente a insetos, não necessitando de pesticidas, e incrivelmente devolve entre 60% e 70% os nutrientes que retira do solo.

Não somente o cânhamo é delicado com o solo, ele requer pouca água se comparada com o algodão (60% a menos) e utiliza relativamente pouca área para o seu plantio.

O processo de transformação da planta em fibra pode ser feito mecanicamente, mas isso exige muito trabalho e tempo. Com a falta de maquinário adequado e de tecnologia, as empresas que produzem esta fibra o faz quimicamente. Embora o cânhamo seja uma agricultura sustentável, é necessário que o processo de transformação seja de menor impacto para o meio ambiente.

Bambu

O bambu é a planta que cresce mais rapidamente no planeta. O seu cultivo não requer fertilizantes químicos ou pesticidas e utiliza um quarto da água se comparada com o cultivo do algodão. O bambu também é 100% biodegradável.

Existe, porém, uma grande controvérsia no “processo de transformação” desta planta em fibra têxtil. Para transformar a fibra áspera do bambu em um tecido macio, em geral é necessário um processo extensivo utilizando produtos químicos de alta toxicidade semelhante ao de transformar celulose em viscose.

Dessa forma, é sempre aconselhável escolher estas fibras de fábricas que utilizem o processo “Closed Loop”, onde 99% dos solventes químicos são retidos e reciclados.

Tencel

O Tencel é uma fibra feita da celulose retirada da polpa da madeira, mais frequentemente do eucalipto, que é uma planta que cresce em climas áridos e portanto não necessita de muita água, herbicidas ou pesticidas.

O processo de produção dessa fibra é feita através do “Closed Loop”. O solvente utilizado é toxico, porém 99% dele é recuperado e continuamente reciclado, o que torna esse processo ecologicamente correto. Além das vantagens de ser econômico no consumo de água e energia.

O Tencel é uma fibra confortável, durável e de fácil manutenção e 100% biodegradável, que, misturada com outras fibras naturais, realça as qualidades das mesmas.

FLAX ou Linho

As evidências da utilização do FLAX como fibra datam de torno da era Paleolítica, 30.000 anos atrás. Foi cultivada pelos chineses há cerca de 5.000 anos e usada extensivamente no Egito, onde pinturas de flores do FLAX decoram as paredes dos templos. Lá o linho também era usado no processo de mumificação – para os egípcios, o linho era considerado um símbolo de purificação.

O FLAX é melhor cultivado em climas frios e é tolerante a vários tipos de solo. As longas fibras são retiradas do caule da planta e têm em média um metro de comprimento, além de ser melhor e mais durável que o algodão.

Ele não requer pesticidas e consome pouco adubo para se desenvolver, o que torna o linho uma das melhores opções de fibra natural sustentável.

Do momento do plantio até sua colheita há um ciclo de 90 dias. A planta é retirada do solo pela raiz para preservar o comprimento total da fibra. Em seguida ela é exposta à umidade para que o processo biológico natural (Retting) facilite a remoção da fibra de seu caule.

A separação das fibras é feita mecanicamente e estas são enviadas para as usinas de fiação. Por ser uma fibra de baixa flexibilidade, as máquinas fiandeiras devem utilizar uma baixa velocidade, reduzindo a produtividade e aumentando o custo.

Juta

A Juta é uma planta que cresce nas planícies tropicais de clima úmido e necessita de muita chuva para desenvolver-se. É a opção mais econômica dentre as fibras naturais, seguida pelo algodão. Não necessita de herbicidas, adubagem química ou pesticidas e é também 100% biodegradável e reciclável, tornando-se uma opção de baixo impacto no meio ambiente.

O processo de extração da fibra é feito através do “Retting“, no qual a fibra é separada do caule, lavada e seca, e então é enviada para a usina onde é transformada em fio.

A juta tem uma fibra áspera , mas com o avanço tecnológico e a melhora de sua qualidade, pode tornar-se uma alternativa para inúmeras utilizações na indústria têxtil.

Seda

A Seda é uma fibra retirada dos casulos do bicho-da-seda, que se alimenta das folhas de amoreiras, planta que requer pouca adubação química e moderada utilização de pesticidas. É um recurso totalmente renovável e causa menos impacto ao meio ambiente do que a maioria das fibras naturais disponíveis no mercado.

O processo de fabricação dessa fibra requer a morte do bicho-da-seda, para que o casulo seja fervido. Do casulo se extrai um filamento contínuo que, desenrolado, pode ter de 500 a 800 metros, e em alguns casos até 1.400 metros.

Depois da extração este filamento é tratado quimicamente e pode poluir o sistema freático se os resíduos não forem tratados adequadamente. A produção da seda consome muitos recursos, pois requer muita mão de obra e muitos trabalhadores para uma produtividade muito pequena.

Estima-se que cerca de 16 quilos de seda são produzidos por acre (4.160 metros quadrados) de amoreiras.

A lã é uma fibra natural extraída de animais como carneiro, cabrito, alpaca, entre outros. Dependendo do animal ela recebe nomes diferentes, como o cashmere (das cabras), angorá (dos coelhos), alpaca (da alpaca), Merino (dessa raça de carneiro), entre outras.

O pelo que cresce nos animais pode ser tosado anualmente e a fibra da lã é biodegradável, reciclável e portanto altamente renovável. Em produção de grande escala, no caso dos carneiros, é necessária uma grande área para a sua criação, muitas vezes maior do que a agricultura de fibras vegetais. Em grande número, podem causar danos ao ecossistema, causando erosão e produzindo uma grande quantidade de metano que é jogada na atmosfera, contribuindo com o processo de mudanças climáticas.

Para obtermos a lã seguimos as seguintes etapas: tosa, classificação e separação, lavagem e desengorduramento, cardagem e fiação.

Fibras Sintéticas

Não há hoje um substituto natural com as características das fibras sintéticas, como a alta resistência, resiliência e elasticidade. Mas temos a opção de escolher produtos que utilizam o processo de reciclagem.

Há um número crescente de tecidos e tipos de tecidos com poliéster que provém de plástico reciclado e certificado, como a REPREVE, que recicla as garrafas plásticas para produzir os tecidos utilizados em sportswear e swimwear.

A empresa Econyl produz fibras de nylon para a indústria têxtil, reciclando lixo plástico como redes de pesca e carpetes industriais. O processo está em recolher o lixo, limpar e destruir em pequenas partes e tratar em um procedimento chamado Depolymerization, que retorna este plástico a sua forma original, similar ao petróleo. Este material é novamente transformado em nylon. Estas e outras tecnologias irão ajudar a limpar os oceanos e reciclar as fibras sintéticas utilizando o processo “Closed Loop“.

Como alternativa para o Elastano existe hoje no mercado o T162R, que é uma fibra 70% bioderivada da dextrose do milho. Foi desenvolvida pela empresa Invista, detentora da marca Llycra.

O que podemos fazer?

Sabemos que hoje é impossível substituirmos o algodão ou o poliéster como matéria-prima nas roupas que vestimos. Seria uma grande hipocrisia dizer que devemos abandonar completamente o uso do plástico em um mundo dominado por ele, mas é de grande urgência termos consciência desse problema e reduzirmos o uso do plástico no nosso dia a dia.

Sempre que possível, devemos escolher roupas com fibras naturais orgânicas, e no caso de roupas de performance, que utilizam as fibras sintéticas, fique com a opção de comprar roupas feitas de poliéster reciclado. Devemos também comprar roupas de melhor qualidade com mais tempo de vida e de uso mais prolongado, e sempre somente de acordo com a necessidade. Além de lavar as roupas somente quando for necessário.

Sempre verifique o conteúdo das fibras das roupas e torne a sua próxima compra em uma opção de escolha consciente.

A Terra agradece.

“Respeitamos a liberdade editorial de todos os nossos colunistas. As ideias expressadas no texto acima nem sempre refletem a opinião do site Waves”.

Jun Hashimoto
Jun Hashimoto foi um dos pioneiros do skateboarding no Brasil e campeão brasileiro de pistas no fim dos anos 70. Designer e criador da marca Stanley nos anos 80, Jun foi convidado a trabalhar na Austrália para a marca de surfwear Rip Curl em 1992. Também foi colunista da Revista Fluir. Hoje baseado em Byron Bay, Austrália, é consultor de moda e trabalha com design e desenvolvimento de produto, focado na sustentabilidade e inovação nas áreas de tecnologia têxtil e vestuário.