Espêice Fia

Na caça pela pororoca

Fabio Gouveia narra sua primeira aventura na pororoca do Arquipélago de Marajó (PA).

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Foram anos e anos ouvindo falar do fenômeno da Pororoca, desde a infância quando via em reportagens de Amaral Netto. No meu início no surfe ela estava sempre presente nas marés de lua da Praia do Bessa (PB), onde os retornos das ondas que batiam nos altos bancos de areia regressavam ao mar. Costumava com os amigos pegar essa onda de volta que chamávamos de pororoca, e que posteriormente aprendi que na real essa “nossa” onda seria o famoso backwash.

Já vinha recebendo o convite há bastante tempo de um dos desbravadores de Pororoca, o paraense Noélio Sobrinho. Mas por intermédio do fotógrafo Rick Werneck, acabei não deixando mais uma vez o convite passar. Ao receber uma mensagem do Rick contando do “Vigésimo Quarto Festival de Pororoca” e que o amigo Raoni Monteiro iria, logo os pensamentos começaram a permear minha mente.

O destino seria a Pororoca do Marajó e voei de Floripa (SC) passando por conexão em Brasília e aterrizei em Macapá, onde o Noélio me esperava. O almoço regional foi regado ao peixe “filhote”. Estávamos à frente do cais, onde pegaríamos a embarcação de nome “Miragem”. Ali escutamos muitas histórias das Pororocas da vida contadas por Noélio, que eu escutava atentamente junto com o fotógrafo da agência Reuters, Paulo Santos.

No final de tarde recebemos o reforço de toda equipe com a chegada de Rick e seu filho Luke Werneck, cujo iria gravar toda expedição para o Canal Woohoo. A divulgação seria geral e de última hora havia recebido a notícia que o skimboarder casca grossa Lucas Fink estaria na barca com sua equipe do Canal OFF, os videomakers Leo Antunes e Yunes Khader.

Iniciamos nossa navegação ao entardecer junto com a boa maré com destino ao município de Chaves, no arquipélago de Marajó. A jornada seria de 8 horas e no início fomos contemplando a natureza exuberante em meio a mais histórias do capitão Sika e do capitão da lancha de apoio Chico Pinheiro, ambos com bastante experiências neste tipo de expedição.

Antes do amanhecer já no cais do porto de Chaves, fui aos poucos entendendo o volume da expedição e a logística necessário. Até o momento a ficha não tinha caído muito e quando clareou foi que comecei ver a quantidade de gente envolvida. Mais duas embarcações de grande porte estavam atracadas ao nosso lado, incluindo uma que estavam salva vidas do Corpo de Bombeiros, vários pilotos de jet-ski contratados para operação e vários outros surfistas paraenses, incluindo o campeão Nayson Costa.

Por volta das 7 da manhã seguimos cerca de uma hora e meia nos jets e lancha em uma velocidade média de uns 50 km entre reduzidas e aceleradas. Neste dia usamos o jet do piloto Ivan, se não me falha a memória. Rick Werneck, mais pesado, foi no meio e eu quase caindo e me agarrando como podia, na traseira. Após uma hora ou mais, chegamos no ponto de um dos afluentes do Rio Amazonas, que supostamente pegaríamos a boa parte de nossa primeira aventura.

O fenômeno estava marcado para a troca de maré, que seria por volta das 10 horas da manhã. O tempo com água nas canelas foi bom para descansar ao mesmo tempo que a adrenalina subia, hora pela ansiedade de avistar a onda da pororoca, hora pela adrenalina dos perigos que habitavam o local, como cobras, arraias e claro, jacarés.

Acho que umas 10h10 o fenômeno apontou distante no horizonte depois de algumas miragens e alarmes falsos. Foi aquele alvoroço e certo nervosismo dos organizadores, afinal perder a única onda do dia não seria brincadeira. O perigo de se acelerar em águas turvas era um entrave em banco raso, portanto todo o cuidado redobrado era pouco. Mas finalmente ficamos todos emparelhados próximos ao espumeiro e fomos saltando um a um, tanto dos jets quanto dos dois botes rebocados por jet’s com cerca de 5 a 8 surfistas, incluindo aí a corajosa Ariane Magno, iniciante na pororoca.

A remada foi cuidadosa e consegui logo subir em meio a espuma, no entanto a medida que ia surfando a parede não se formava, pois o banco continuava raso. Quando resolvi deitar na prancha para descansar foi pior, pois uma forte turbulência de batentes me fazia extrair todas as forças restantes a fim de segurar as bordas e levitar o bico para não embicar.

Quando subi mais uma vez acabei realmente cansando e abortei a missão a fim de pegar mais na frente uma parede. Após ser resgatado pela bananaboat segui juntamente com outros surfistas para outra tentativa, ao mesmo tempo que via Noelio, Raoni ,Lucas Fink e Marcelo Bibita deslizarem.

Quando pulei quase perco a onda, pois a crista já estava quase sem força, mas em uma fração de segundos consegui velocidade e fiquei de pé para matar umas baratas e seguir no flow ao lado do Bibita, que com sua câmera aquática documentava minha primeira pororoca surfada. Foi incrível! Estado de êxtase, risadas e adrenalina. Quando subi na bananaboat ainda avistei outros jets com surfistas caçando pororocas em outras margens.

Que doideira! A onda ia, e em determinados momentos por intermédio de canais entre ilhas, elas voltavam. Foi assim que vi um tubo desfilando sozinho em uma das margens. No segundo dia saímos na mesma batida e com esperança de nos darmos ainda melhor, no entanto dois jets que levavam as bananasboats quebraram e erramos o ponto de espera. A turma passou sufoco para elevar as bananas para a margem para não serem arrastadas pela pororoca. E os amigos que estavam nas bananas foram forçados a remar rio a dentro para pegarem a onda na remada.

Quem sobrou nos jets sem problemas seguiu mais ao horizonte, mas logo tivemos a surpresa quando vimos nossa lancha de apoio cujo havia passado à nossa frente vindo a milhão já na pororoca formada. A onda estourou e um metrão de espuma era o que tínhamos para pegar.

Noélio pulou e quando o espumeiro bateu não conseguia subir. Esperei um pouco e pulei muito junto à onda, errei o tempo e acabei embicando também por causa do jato de água que o jet jogou quando acelerou. Depois ainda consegui mais uma vez ser resgatado e jogado na onda mais a frente, mas como tiveram outros resgates e havíamos pegado a onda em local anterior do primeiro dia, ela não demorou muito a acabar.

Foi uma parada meio decepcionante, principalmente porque neste dia obtivemos o apoio do helicóptero e sol demasiado, ou seja, perfeito para as câmeras de Rick Werneck e Paulo Santos. Ainda no trajeto de volta e desta vez navegando juntamente com a galera na lancha de apoio, deu para perceber o descontentamento de todos, pois quase perdíamos a onda do dia e ninguém dos quase 20 surfistas se deu bem.

Mas nada que nos desanimasse, pois em nossa base no cais do município de Chaves muita coisa iria rolar, afinal este Vigésimo Quarto Festival de Pororoca no Marajó tinha incluso varias atrações locais como palestras ambientais, mutirão para coletas de resíduos, festival de dança cultural e a famosa luta Marajuára, em que participantes masculinos e femininos se confrontavam a fim de derrubarem seus oponentes de costas para o chão de areia batida.

A galera foi ao delírio com os confrontos incluindo a torcida para um dos integrantes da barca, um capitão do Corpo de Bombeiros cujo agora não lembro o nome. Ele venceu dois oponentes ao som de nossa saudação que naquela ocasião virou o grito de guerra, Auêra, Aurara!

E por falar em Auêra, Auara cujo significa a mesma coisa que Namastê, ou seja, o deus que habita em mim salda o deus que habita em você, naquela noite tivemos a cerimônia de boas vindas. Uma fogueira foi acendida e os integrantes da expedição foram espiritualmente batizados pelo “pajé” Marcelo Bibita. Mesmo sendo tudo simbólico a seriedade de todos existiu e os bons fluidos vieram.

Vieram também para que tudo desse certo no dia seguinte, mesmo com um “causo” sinistro que aconteceu com Lucas Fink. Neste dia o tempo amanheceu bom e sem vento, lisinho, parecendo um azeite. A ansiedade estava máxima, pois era o dia chave para ser a maior maré e supostamente a maior pororoca. Os jets aceleraram bonito e o trajeto até pareceu mais curto, no entanto quando já estávamos próximos ao ponto de take off, uma tempestade se formou com fortes chuvas, dificultando também nosso apoio de imagens a partir do helicóptero.

Quando a onda apontou no horizonte o vento já balançava a superfície, no entanto não tão ruim a ponto de atrapalhar nosso desempenho. Nayson, cujo já estava familiarizado com tudo aquilo, foi o primeiro a pular e já vinha arrebentando em uma parede para a esquerda. Quando a maioria pulou a onda estourou, mas logo adentrou em uma parte funda do rio e se formou novamente. Nessa altura o volume já passava de um metro e o que vimos foi um passeio coletivo. Alguns de nós nos cruzamos, eu e Noélio, eu e Raoni e eu e Nayson.

Quando ia tentando chegar mais próximo à margem a fim de pegar uma parede mais perfeita cruzei com o Fink, que vinha em alta velocidade com seu equipamento e gravando tudo com sua câmera aquática. Mas devido a ampla visão que tive nesse dia de tão boa que estava a pororoca, percebi o Lucas caindo ao tentar uma manobra. Até aí tudo bem, pois seria resgatado na sequência para surfar mais à frente. Nesse dia tive a sensação mais maravilhosa que poderia ter, pois estava realmente surfando a pororoca em um dia bom e com bom tamanho.

Creio que fiquei uns 12 minutos na onda, ao ponto de abandonar e solicitar o resgate para só entrar mais a frente. Queria descansar pelo menos uns dois minutos. A galera fez a mala! Bibita, Jorge Noronha,Silvinho Santos, Raoni e muitos outros que agora não recordo os nomes. Pororoca finalizada e a tempestade caiu feio. Até o helicóptero já havia dado linha, pois estava perigoso.

Quando a pororoca acabou, as equipes foram voltando para o cais a cerca de uma hora de navegação à frente. Parecia tudo ok e todos vibrando, até que em um ponto o Luke Wernek indagou: Peraí, cadê o Fink? Caramba, não acredito, vocês esqueceram o Lucas Fink no meio do rio! A partir dali o desespero foi geral por parte da galera. Mas já que mesmo também preocupados, os organizadores sabiam que aquilo por pior que poderia ser, acabaria bem, pois não era a primeira vez que havia ocorrido algo similar.

Vários outros “pororoqueiros” já ficaram perdidos em margens por 2, 4 e até 6 horas esperando por um resgate. Vivendo e aprendendo com os erros, pois precisaria existir um check-point final antes da galera navegar de volta à base. O ocorrido foi que naquela de um jet resgatar um e outro surfista, o Lucas ficou para trás.

A visibilidade estava bem ruim, mas logo após o constatado, dois ou três jets saíram em busca do Lucas. Infelizmente o helicóptero naquele momento não poderia decolar devido ao mau tempo, mas quando decolou cerca de duas horas depois logo regressou a base relatando que o Lucas e mais um segundo parceiro que pasmem, também havia ficado a deriva, já haviam sido resgatados por uma embarcação local procedente de uma das fazendas de criação de búfalos de uma das ilhas do Marajó. Quando Lucas chegou foi uma festa. E já com sorriso no rosto a galera entoou Auêra Auara, Auêra Auara, Auêra Auara!

Para nosso último dia as expectativas eram as melhores. Acordamos cedo com aquele café reforçado a bordo do Miragem. Logo teríamos um compromisso com a abertura da Escola de Surfe do Município de Chaves. Umas dez pranchas ou mais do shaper Marcelo Bibita foram doadas ao projeto e tanto ele como Noélio Sobrinho iniciaram ali o trabalho para os frutos que possivelmente virão. Disseram que em dias de fortes ventos rolavam ondas fracas, mas naquele momento não haviam sequer marolas no rio.

Ainda assim a equipe de pilotos de jet ficaram dando voltas para formar uma pequena ondulação. Pronto, foi o suficiente para a molecada pirar na brincadeira e a partir dali já queriam mais uma aula quando voltássemos da pororoca saideira. Alguns da turminha mostravam jeito para coisa e com certeza no futuro veremos alguns daqueles se aventurando no fenômeno rio a dentro.

A aula para as crianças foi tão prazerosa que de certa forma acabou nos atrasando. E a pororoca não espera, muito pelo contrário, neste dia veio até um pouco antes do previsto por nós. Quando chegamos na cabeceira do rio ela já vinha em linhas fechando o horizonte. Por sorte já estávamos calejados e a velocidade dos jets nos botou mais além. E foi demais. Mais uma vez estávamos curtindo a pororoca em uma parede que sumia de vista.

Uma galera foi aproveitando essa primeira investida e de cima de nossas pranchas íamos tendo tempo para curtir tudo. Observava toda a ação enquanto rabiscava a parede com minha fish 5’4” de volume demasiado. Aliás, uns tinham pranchas normais (Raoni e Nayson, dentre outros), mas a melhor coisa que fiz foi levar pranchas volumosas, pois me dava mais sustentação para os momentos em que principalmente estava já muito cansado.

Dentre vários, um momento que ficou eternizado pra mim foi quando cruzei com Raoni em um cutback e ele acertou as espuma no reencontro. Aliás ,em foto eternizada por Rick Werneck, virá a ser também capa do “single Pororoca do Marajó” (Rick Werneck feat. Luke Werneck), cujo foi carinhosamente composta durante nossa expedição. Aliás vale ressaltar os momento em que Rick e seu filho luke, percussionistas natos, entoavam o carimbó para descontração da galera.

E foi assim que nos despedimos de todos e rio a dentro fomos curtindo um fim de tarde mais que maravilhoso rumo a Macapá. Que experiencia incrível! Só agradecimentos a todos que fizeram dessa expedição mais que especial! Que Brasil incrível nós temos! Auêra, Auara!