Ondas Sonoras

Gabriel O Pensador

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Gabriel O Pensador deixa o lip rodar em  Fernando de Noronha (PE). Foto: Clemente Coutinho
 

 

Nascido no Rio de Janeiro, o rapper, compositor e escritor Gabriel O Pensador é figura certa no outside de São Conrado ou do Arpoador quando está em casa, mas quando está em turnê faz de tudo para conseguir uma hora livre entre um show e outro para cair na água.

 

Apesar da rotina atarefada, entre estúdios, passagens de som e muitas outras tarefas, o surf é sagrado para ele. Não importa se o mar está clássico ou não, o importante é sempre fazer novas amizades por onde passa e experimentar ondas diferentes. 

Em um bate-papo exclusivo, ele falou sobre a conexão entre o surf e a música na sua vida e preparou uma playlist especial para você.

 

Como você define a conexão entre o surf e a música na tua vida?

 

Quando estou no outside sozinho, às vezes escurecendo, ou surfando de noite no Arpoador (RJ), eu canto no mar. Eu não sou um cara que costuma cantar muito de bobeira. Só no banho, mas de vez em quando (risos). Quando estou muito bem e muito em paz eu canto umas músicas do Bob Marley. Esta foi a primeira conexão que me veio na cabeça. Desde garoto eu sempre assisti a muitos vídeos de surf e sempre achei que a ligação da trilha sonora aumenta a emoção da cena que você está assistindo.

 

Na minha carreira também já tenho duas músicas e estou gravando mais uma sobre surf: “Eu e a Tábua” e “Surfista Solitário”. Quando falo de surf, falo sobre a minha vida, não só sobre o esporte.  A música nos ajuda a decifrar o que estamos sentindo.

 

Tem tanta coisa boa pra falar, que já é assunto pra qualquer surfista, como a adrenalina ou o contato com a natureza. Pra mim tem ainda mais coisas pra falar, porque o surf me conecta com coisas que aprendi com a galera da Rocinha, como o lado social que veio por trás do surf na minha adolescência, quando formei minha personalidade. O surf abriu minha cabeça pra muitas coisas.

 

Toda vez que falo de surf num poema ou numa música, pra mim é uma coisa mais importante ainda do que apenas o surf como esporte.

 

 

Você viaja sempre para surfar?

Não tanto quanto eu gostaria, mas viajo com uma média de dois em dois anos para isso. Retomei as viagens em 2012 e fiz outra em 2014. De 2006 a 2014 dei uma parada com as viagens e só fui pra Noronha, pra não dizer que não fiz nada. Em 2014 consegui dar uma recuperada no ritmo e fiz uma bem curtinha de sete dias pra El Salvador, decidida de última hora em uma brecha que tive na agenda, por causa de uns shows cancelados. Dei sorte, porque em cinco dias tinha ondas boas.

 

Estou em turnê com o disco “Sem Crise” e ela está bem animada, com a agenda cheia. Embora a gente passe por bastante lugares onde tem onda, é difícil ter tempo pra isso no meio da turnê.

 

Depois fui pra Indonésia e consegui reservar quase uns 20 dias, que é muito pra minha agenda, mas eu já tinha bloqueado esses dias pra isto com antecedência. Só não dei tanta sorte porque no meio da viagem tive uma luxação no ombro que não deixou eu aproveitar as ondas o tanto quanto eu queria, mas eu fiquei bem feliz por ter ido e pela companhia do Ricardo Bocão e alguns outros amigos. Fomos juntos para as Mentawaii pela segunda vez. Ficou um gostinho de quero mais e já estou na fisioterapia pra poder voltar lá no ano que vem.

 

Como o surf influencia tua música e como a música influencia teu surf?

 

A música me dá um gás. Quando vou pra praia gosto de ouvir um som mais animado. Nos momentos de paz gosto de ouvir sons que me ajudam a enfatizar e decifrar o que estou sentindo.

 

Tenho uma outra música que também foi bem inspirada no surf. Fiz ela quando estava com o disco quase pronto em 2012, quando eu voltei da viagem pra Indonésia e fiz questão de incluir ela. Convidei o Cone Crew pra fazerem a parte deles da letra e gravarem comigo.

 

A minha parte tem tudo a ver com a viagem e reflete sobre o uso do tempo. Ela se chama “No Ritmo, No Tempo”. O que me levou a refletir foi nossa vida corrida e agitada demais. Em 2012, mesmo com a viagem marcada eu não conseguia curtir o surf. Eu ia pra praia quase escurecendo, com o celular na mão, sempre numa pilha muito acelerada. Voltei da viagem ao contrário e com uma vibe maneira. Lá eu fiquei no barco, acordando cedo e curtindo coisas muito simples.

 

Eu abracei muitas atividades, como palestras, shows e não tinha todo tempo que gostaria para fazer as coisas simples. Não tenho o costume de parar, como é o normal, como qualquer cara que vai jogar uma pelada semanal e fica sentado conversando com seus amigos, sinto falta de um pouco disso na minha rotina.

 

Continua sendo assim até hoje, mas na volta da Indonésia eu fiz uma reflexão sobre isto, que virou essa música. Tinha uma referência ao Vitor, filho do Bocão, que havia falecido. Isso me fez pensar muito, porque tudo isso que estou te falando envolve meu tempo com os filhos também. Essa sensação de falta de tempo também estressa. A música fala assim:

“Correndo a gente às vezes se atrasa


E eu fui entender isso bem longe de casa, na Indonésia, num barco, isolado do mundo
Num tubo demorado que durou quase 5 segundos
Qual é o valor de um segundo, qual é o valor de um minuto?
Pergunta a uma família num momento de luto
Qual é o valor de uma hora, qual é o valor de uma tarde?
Pergunta a quem tá preso do outro lado das grades
Todo mundo tem igual, 24 horas por dia
Riqueza é usar o tempo com sabedoria
Usar o tempo não é pensar só em trabalho, não
Pelo contrário, é saber aproveitar com os irmãos
Correr sem pressa, parar pruma conversa, falar do que interessa”.

 

Tem mais uma coisa interessante sobre essa música, porque eu tinha voltado da viagem, estava pensando um pouco nisso, antes de fazer a música e fui pegar onda de manhã bem cedo. Era um marzinho pequeno, mas bom. Tive a ideia da primeira frase e na sequência já vieram outras ideias. Desisti de surfar e fui pro quiosque anotar e escrever a letra. Na sequência chegou um amigo meu que é o Márcio Dente de Lata, da Rocinha, que foi preso e ficou dois anos na cadeia injustamente, depois foi até comprovado que tinha um outro Márcio Pereira que era o foragido e não ele, uma história antiga que ele já comprovou na justiça.

 

Quando ele voltou da prisão, lembro que ele me encontrou no mar um dia falando que estava muito feliz e essa felicidade dava pra ver na cara dele. Ele tinha conseguido um emprego e estava trabalhando de entregador de jornais e tinha tempo pra ver a filha dele, porque trabalhava das 4 às 8 da manhã e tinha tempo até pra surfar.

 

Pensei muito no que ele me falou, porque temos ambições, mas nos sentirmos felizes é o mais importante de tudo. Ao mesmo tempo que ele se sentiu feliz, ele tinha um sonho e conseguiu realizar. Ele criou a Associação de Surf da Rocinha, da qual é o atual presidente. Tá sempre empolgado e fazendo coisa maneiras.

 

No dia da letra o Márcio chegou e perguntou se eu não ia cair na água. Eu disse a ele que não, porque estava fazendo a letra e tinha saído da água pra anotar. Expliquei que tinha até a ver com o que ele passou. Disse a ele que eu estava falando sobre a importância do tempo e do uso do tempo. Acabei fazendo a referência a ele na letra.

 

Escute agora a playlist preparada especialmente para os internautas do Waves:

 

 

Você é referência para muitas pessoas e influencia a vida delas com as tuas letras. Quem são as tuas influências no surf e na música?

 

No surf eu me lembro de ver vídeos da época do Tom Carroll, Tom Curren e Occy. Via filmes também do Fabinho e do Teco, que depois viraram meus amigos. Foram referências muito maneiras. Destaco o Ricardo Bocão que também virou um grande amigo e até hoje me influencia com seu jeito de levar a vida e ser um cara do bem, muito animado com a vida. Quando estamos juntos, sinto isso ao lado dele.

 

Ainda no surf, teve dois irmãos que me ensinaram a ficar em pé na prancha. Eu tinha 11 anos e pegava onda de bodyboard já sozinho. Uma turma de amigos do meu pai, de Copacabana, um pouco mais novos do que ele, o Ivan Mundim e Marcio Mundim. Os caras saiam nas revistas da época, competiam e tal.

 

Teve um campeonato que ficou na memória, no Quebra-Mar, em dia de mar gigante, um OP Pro. Eu fui com eles assistir o campeonato. Lembro das primeiras idas à praia com prancha de surf. Depois eu comprei uma pranchinha usada da Spirit e continuei no surf direto.

 

As minhas influências diretas no surf foram os caras do Cantão de São Conrado. O Suruba e o Betinho eram dois irmãos mais velhos do que a gente, da Rocinha. Tinha os da minha idade que já surfavam bem, como o próprio Márcio, o Déo e vários outros. Isto é bom pra lembrar que a boa influência pode estar ao teu lado, no teu pico, não são só os caras famosos da revista. Você vê os caras arrepiando.

 

Na música tenho influências de todo rock brasileiro, como Legião Urbana, Paralamas do Sucesso, Ultraje a Rigor. Acho que um dos primeiros show que fui na vida quando era moleque foi dos Titãs, numa matinê. Era fã da Blitz também.

 

Fora o rock, também fui conhecendo a música brasileira em fases diferentes, mais a MPB de Chico, Gil e outros. O samba também, com letras interessantes e com toque do humor, que eu trouxe para o meu rap. O Raul Seixas é um cara que também me influenciou.

 

Quero fazer também dois destaques importantíssimos. O Bob Marley, que eu tinha um pôster dele no meu quarto, pelas letras e pelas ideias do cara, não por nada diferente disso, e o rap, que eu já gostava desde garoto, da época do break dance e do Graffiti. Já curti a cultura Hip Hop de cara e ouvia sons como Run DMC e Beastie Boys, com uns 12 anos de idade. Depois, com uns 16 anos eu me aprofundei e comecei a conhecer Public Enemy, Ice Cube, Ice-T e muitos outros que contavam histórias. Eu já falava inglês. Foi aí que eu me decidi e quis virar rapper.

 

Comecei a fazer uma porrada de letras. A linguagem do rap me pegou em cheio. Continuei ouvindo todas as outra coisas também, mas tava viciado em rap. Era coisa que ninguém fazia aqui, era até raro você encontrar um outro cara que gostasse de ouvir rap. Realmente abrimos caminhos onde não tinha e fico orgulhoso de ver hoje a molecada e uma porrada de gente fazendo rap. Hoje tem um momento no show que chamo os novos rappers pra rimar ou pra fazer batalha. O nome do projeto é “Rimadores Anônimos”. Eu me lembro bem como era quando eu conseguia invadir o palco de uma festa e pedir pra cantar uma música. É emocionante.

 

Tenho lembranças boas de tudo isso misturado, entre surf e música.

 

Escute agora a discografia completa de Gabriel O Pensador:

 

 

Em 2014 você tocou no Prime de Saquarema. Como foi esta experiência de tocar num campeonato de surf para praia lotada, com um pôr-do-sol alucinante e a galera pegando onda?

 

Eu adoro fazer shows em eventos de surf. Já tinha feito alguns no SuperSurf e outros campeonatos, inclusive de bodyboard. A vibe é sempre muito boa e me sinto entre amigos, com uma galera que me entende e eu entendo, falamos a mesma língua. Em Saquarema eu me senti assim. Ainda teve o Serguei cantando e algumas outras coisas memoráveis, foi tudo muito espontâneo. A própria realização do show foi decidida durante a semana, sem stress, tudo muito natural, isso tudo influenciou positivamente nossa vibe no palco. Foi como um flashback mágico do show que eu já havia feito lá no SuperSurf.

 

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Gabriel O Pensador se apresenta durante um final de tarde mágico em Itaúna (RJ), no Quiksilver Saquarema Prime 2014. Foto: Fernando Iesca
 

 

E a Jam Session que rolou com os atletas estrangeiros?

 

Pra melhorar mais ainda, no final a gente se divertiu depois do jantar com a chegada dos competidores gringos que tinham assistido ao show e vieram trocar uma ideia, falando de surf e tal. Eu mostrei uma foto minha surfando, trocamos contatos e aí eles foram embora. De repente, para minha surpresa, eles voltaram. O Conner Coffin e o Nate Yeomans com violões, o Masatoshi Ono batucando numa garrafa e os irmãos Gudauskas com violões e cantando também. Todos muito felizes e numa vibe muito boa. Chegaram realmente empolgados depois do show. O meu guitarrista que canta pra caramba, o Udi Fagundes, tava ali e já botei pilha pra ele cantar também. Improvisamos algumas coisas e esses momentos ficam guardados com carinho. Espero revê-los em outros momentos de surf ou de música.

 

 

Como é possível aproveitar uma turnê e surfar ao mesmo tempo?

 

Estou sempre correndo, mas quando estou em Portugal, por exemplo, deixo um dia pra pegar onda na Ericeira, o que já vale muito. Já peguei umas ondinhas nos Açores também, nada clássico, mas são lugares mágicos independente de não estar num dia clássico. Você estar num lugar desses e ter a chance de conhecer o pico é sensacional.

 

Às vezes também tenho mais sorte e consigo aproveitar um pouco. É meio raro. Uma vez fui fazer um show em Regência, no Espírito Santo, e não estava surfando muito naquela época. Nem pensei em perguntar como estava o mar, fui lá fazer o show e estava com outra cabeça. 

 

Cheguei lá e depois que terminei o show lá pelas três da manhã fui fazer um rango na rua com a galera. Tinha um outro show de reggae rolando, que fiquei assistindo até às cinco da manhã. Eu estava morto de cansaço. Começou a amanhecer e não parava de chegar uma galera de prancha. Depois de falar com vários caras, descobri que o mar tava clássico. Dei 50 passos na areia e vi um pico que eu nem tinha conhecido ainda.

 

Eu tinha chegado no dia anterior para o show e não tinha nem visto o pico. Quando olhei parecia G-Land. Tava animal. Não conhecia aquela onda e estava morto. Foi engraçado, tomei uns três energéticos e pedi uma prancha emprestada a um cara que tinha uma sobrando, mas não tinha quilhas (risos). Um outro me emprestou as quilhas, um outro me emprestou o leash e um outro trocou a bermuda comigo (risos).

 

Fui pra água e valeu a pena! Depois acabei até passando da hora combinada, pois um dos caras tinha que voltar pra Vitória e tava lá me procurando, porque ele precisava ir trabalhar. Foi uma história engraçada, em um lugar que quero voltar.

 

Acho que uma das coisas mais bonitas do surf é que ele desperta em nós o tempo todo esse espírito de aventura e de conhecer pessoas e lugares. Isso é o melhor da vida e o surf leva a gente pra isso.

 

Como é sua interação com os fãs nas redes sociais?

 

Eu estou sempre ligado nas redes sociais, principalmente na minha página no Facebook, na qual um dos assuntos frequentes é o surf. Eu sempre dou reports de surf e brinco falando de mar e de ondas. Sempre tem uma galera que surfa e vai lá e comenta, dá dicas de picos. Me aproximo muito das pessoas assim.

 

Às vezes estou indo fazer um show num lugar e tem uma galera que oferece pranchas pra eu surfar. Quando dá, aproveito este canal da internet pra desenrolar o surf.

 

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