Christian Beserra

O representante legal

Alceu Toledo Junior bate um papo com Christian Beserra, brasileiro que atua como elo entre os Tops e os dirigentes da WSL.

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Christian Beserra é o elo entre a elite de competidores da World Surf League e os dirigentes da entidade.

O carioca Christian Barnard Beserra é um surfista que representa. Literalmente. Afinal, ele é o elo entre a elite de competidores da World Surf League e os dirigentes da entidade.

Nesta entrevista exclusiva para o Waves, ele fala de seu trabalho na entidade e explica que não se limita a levar queixas à cúpula. Para tanto, ele tem planejado não só o presente mas também o futuro dos competidores, com projetos de aposentadoria, participação nos lucros da WSL e complementação profissional.

Ele também fala de julgamento, participação dos pais dos atletas na dinâmica das etapas e de outros detalhes dos bastidores das etapas.

Morador de Sydney e cidadão do mundo, Christian ganhou o mundo depois de trabalhar no portal Yahoo! e na gigante de tecnologia Hewlett-Packard, o que tornou possível surfar ondas incríveis por todo o planeta, como podemos notar na galeria de fotos.

Casado e pai de três filhos, ele é mais do que um representante no coração da liga mundial de surf. É um papo muito legal quando o assunto é competição.

O que faz um representante dos atletas?

Faço a ponte entre os atletas e a WSL, que agora é uma entidade com fins lucrativos. O representante tem que ser a voz dos 51 atletas do CT, principalmente em nível corporativo. Tenho que lutar pelos direitos trabalhistas dos surfistas e também gerenciar os desafios do dia a dia pertinentes ao Tour.

Christian no inside corner de Uluwatu.

E como surgiu a possibilidade de fazer este trabalho na World Surf League?

Em meados dos anos 2000, na época em que eu trabalhava pra Yahoo!, nos Estados Unidos, e era especialista em marketing digital, fiz algumas palestras para os atletas do CT da antiga ASP. Acabei ficando amigo de várias lendas do esporte que acharam que eu seria uma pessoa legal pra fazer esse trabalho.

O surf é um esporte distribuído e monetizado de forma digital. Sendo assim, minha bagagem profissional prevaleceu um pouco, associado ao fato de eu conhecer bem o esporte e surfar há mais de 40 anos. Sem contar no fato de que falo inglês, japonês e espanhol fluentemente, e ter vivido nos últimos 26 anos nos maiores mercados que praticam o esporte (Japão, Califórnia e Austrália), além de ser brasileiro.

Normalmente, qual a maior demanda dos atletas, tem alguma coisa que eles reclamam ou reivindicam mais?

Transparência e melhor comunicação em várias áreas, principalmente julgamento.

Antigamente, os atletas também se sentiam vulneráveis quando suas carreiras de profissionais no Tour acabavam. Estamos conseguindo mudanças fundamentais pra proporcionar um futuro melhor para aqueles que saem do CT.

Por exemplo, agora temos um fundo de pensão para todos 51 surfistas do CT, retroativo a 2014. Os atletas também têm, de forma conjunta, 10% de participação nos lucros e valor da WSL, caso um dia ela seja vendida para um outro grupo de investidores.

Só pra botar o que estou dizendo em perspectiva, vejam o que aconteceu com o UFC. Essa organização foi vendida pra IMG Sports por US$ 4.5 bilhões. Imagine 10% disso indo pros lutadores.

Outra coisa que queremos, além da melhoria da parte financeira dos atletas: estamos tentando dar suporte na parte mental (contra depressão) e prover educação para que todos fiquem preparados pra seguir outras carreiras. Por exemplo, se você quiser ser palestrante, treinador, marqueteiro, jornalista ou o que for, existe um fundo (limitado), que pode ser alocado para determinados cursos.

Christian com Dirk Ziff (dono da WSL) e Carlos Burle

No caso do cancelamento da etapa de Margaret River, como foi aquela negociação?

Simples e direta. A Sophie Goldschmidt, CEO da WSL, Kieren Perrow, gerente, e eu tivemos várias conversas, baseadas no feedback da maioria dos atletas, que resultaram no cancelamento da etapa.

O que pesou foi o fato de termos baleias encalhadas muito próximas ao evento. Quando isso acontece, o óleo do animal morto despejado no mar atrai muitos tubarões, o que seria um risco enorme aos participantes do evento. Contou também o fato de termos tido dois ataques de tubarão branco acontecendo a menos de cinco quilômetros do campeonato.

Pra fechar o dilema, expliquei o que havia acontecido às vésperas do acidente fatal do Senna em Imola. Lembra do outro acidente fatal no dia anterior com outro piloto (Ratzenberger) e o acidente com o Barrichello dois dias antes da corrida? Ou seja, tivemos vários sinais de perigo que foram ignorados pela FIA. Não queria que a WSL fizesse o mesmo. Eles foram 100%, agiram de forma responsável e correta, apesar dos prejuízos financeiros que tiveram.

E em relação aos erros de julgamento? De que maneira é a sua participação nestes casos?

Às vezes, depois que as baterias são finalizadas, vou com o atleta que se sente prejudicado conversar com o Head Judge pra entender melhor o critério usado em determinadas baterias.

Organizei também em Margaret River uma reunião entre surfistas e juízes.

Discutimos novos critérios e escala de notas introduzidas pelo Pritamo Ahrendt, o novo Head Judge. Pedi muito ano passado para existir um pouco mais de transparência do critério das notas no início do dia e pra todo momento em que as condições das ondas mudarem. Este ano, estamos recebendo updates diários dos juízes pelo WhatsApp com os critério adotados, o que já é um progresso.

Christian em ação no pico de Mavericks.

É boato ou fato a história de que Kelly Slater não gosta de competir no Brasil?

Não tenho como responder essa pergunta, mas não acredito que o Kelly tenha algo contra competir no Brasil.

Você acha que existe muito mimimi ou na dúvida os juízes são mais favoráveis aos surfistas de língua inglesa?

Não acho que isso seja verdade. Os juízes erram às vezes, independente da etnia ou língua de origem do atleta. Tenho muito orgulho de ser brasileiro pra ter qualquer tipo de complexo de vira-lata.

Recentemente, os pais de Gabriel e de Filipe acabaram se envolvendo em duras críticas aos julgamentos. Em sua opinião, pai de surfista mais ajuda ou atrapalha com uma presença no palanque? Como mediar estes conflitos? Tem que agir meio como um bombeiro?

Não acho que os pais ou técnicos atrapalhem. Somos brasileiros e mais emotivos. Vejo sempre muito respeito por parte de todos. Vale dizer que os juízes ficam numa área blindada e isolada da área em que ficamos com os atletas.

Como analisa a performance dos brasileiros nesta temporada?

Brilhante, e o próprio ranking reflete isso. Os brasileiros estão vencendo e sobrando no critério power e no surf de manobra inovadoras.

No Surf Ranch com Caio Ibelli e Leo Fioravanti.

O Ítalo vem sendo uma ótima surpresa, muito sólido e super power no ataque. Até onde vai tanto potencial?

Não acho que ele seja mais surpresa. Vencerá alguns títulos e, se vacilar, de base trocada.

E os gringos mais novos, Colapinto, Igarashi, qual sua impressão?

Colapinto é muito inovador e não tem medo de arriscar. Muito legal de assistir. O Igarashi é mais calculista e excelente competidor que sabe tomar decisões certas nas baterias.

Uma habilidade que ele tem e que passa despercebida é sua capacidade de entubar. O cara não fez final em Pipe por acaso.

Como carioca, qual foi a sua expectativa do campeonato numa das melhores ondas do Brasil?

Foi demais ver Saquarema dando altas e oferecendo um ambiente super seguro para os atletas. Todos ficaram amarradões.

O que anda aprontando fora do surf e qual a grande história do surf na web você está acompanhando no momento?

Fora do surf, estou vivendo um sonho de poder representar meus heróis e heroínas (de forma coletiva) como profissão. Muito legal poder demonstrar que um brasileiro pode, sim, conquistar a confiança dos gringos e ser respeitado por todos.

Em termos de web, acho a forma que o conteúdo da WSL é distribuído digitalmente algo revolucionário, graças ao nosso querido Mano Ziul, que criou tudo isso. A parceria com o Facebook pode trazer bons frutos e crescer de forma exponencial nossa audiência.

Backside attack em Bondi Beach, Austrália.

Quais suas pranchas do momento?

Vários brinquedos que vão de 5’8 pra marolinha até 9’8, quando tenho vontade de surfar algo maior. Infelizmente me machuquei em março e ainda estou fora d’água. Não vejo a hora inaugurar uns foguetinhos que o Maurício Gil fez pra mim.

Cá entre nós, qual surfista mais mala você tem que representar?

Mesmo que existisse um ou uma, não poderia entregar. Adoro trabalhar com todos os 51 atletas do CT. Juro por Deus e pelo Padre Cícero! Cada um tem uma história mais interessante que o outro. Quero ver todos bem sucedidos, principalmente depois do Tour.

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