Surf & Aventura

O fator Medina

Alex Gutenberg avalia a vitória de Gabriel Medina no Taiti e questiona se alguém poderá deter o Top brasileiro nesta temporada.

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Aos poucos, Gabriel Medina vai subindo degraus para o hall da fama dos grandes atletas brasileiros.

He makes his move. Essa frase, na linguagem dos esportes, acontece quando um super atleta parte para cima. Muhammad Ali, o mais famoso (e melhor) boxeador de todos os tempos, brincava com os oponentes, mas em certo momento ele “fazia seu movimento” e nocauteava o indivíduo.

O grande Ayrton Senna, quando largava atrás, também fazia isso e logo de cara e ultrapassava seus oponentes um a um. Michael Jordan jogava muito mais no quarto período das partidas de basquete, quando partia pra cima dos adversários fazendo pontos, dando assistências e pegando rebotes.

Mais recentemente, o maior corredor de todos os tempos, o jamaicano Usain Bolt, largava sempre mal nos 100 e nos 200 metros rasos. Mas, ali pelos 100 metros na corrida de 200 ou nos 50 na corrida de 100, ninguém mais o segurava. Era impossível para todos os mortais, mesmo os melhores atletas do mundo.

É assim que funciona com super atletas. Quando eles vão para cima, ninguém pode fazer nada, os outros competidores ficam sem saída, apenas olhando. Gabriel Medina entra para esse rol de talentos.

Medina fez de um limão uma limonada nas ondas de Teahupoo.WSL / Poullenot
Medina fez de um limão uma limonada nas ondas de Teahupoo.

Não é apenas porque ele venceu brilhantemente a etapa do Taiti; nem tampouco porque todo segundo semestre do mundial de surfe profissional ele parte pra cima e começa a vencer etapas em busca do título. Não é só isso. É uma série de detalhes, e destaco a maneira como os outros surfistas profissionais olham para ele e percebem que o cara tem algo a mais.

Foi assim em Teahupoo. Em cada bateria, Medina destruía as ondas, inventando coisas, tirando manobra em lugares impossíveis, fazendo de um limão uma limonada. As ondas não estavam boas, mas Medina dava aéreos, perfeitos cutbacks, batidas verticais espetaculares e tubos.

Ah, os tubos de Medina no Pacifico Sul vão entrar para a história. Gabriel Medina parece ao mesmo tempo uma águia que crava suas garras no alto da montanha e não se mexe, nem com ventos de 200 km/h ou uma locomotiva firme e forte no trilho. Não há meio de Medina cair, é como se fosse natural para ele, como se ele tivesse nascido naquele tubo de Teahupoo.

No último dia de competição, seus adversários ficaram indefesos, sem poder de resposta. Italo Ferreira, o brilhante tube rider Jeremy Flores, até chegar a Owen Wright na final, arrancando os nervos do australiano para fora.

Filipe Toledo está no auge e estrategicamente perfeito. Será o ano dele?

“Como é possível”, deve ter pensado Wright. “Eu dominei a bateria inteira, prioridade, peguei a onda da série, fiz boas manobras e lá atrás vem o cara e faz melhor”. Pois Owen, o brasileiro made his move. Wright dava tapas enormes na água nos últimos segundos de bateria. Não se conformava. O oceano, o vento, o timing da ondulação também se prostraram em frente à Medina e ele os dominou.

Hora do Medina? O que é isso companheiro? O Filipe Toledo é o líder do mundial faltando apenas quatro etapas, que história é essa? Bem, Filipinho está no auge, parece-me o ano dele, estrategicamente o garoto está perfeito, conseguiu um excelente terceiro lugar no Taiti, onde não era sua praia, e além disso tem ditado o ritmo das etapas normais.
Daqui para frente Filipinho terá três eventos a seu gosto – pode voar e se dar bem no Rancho do Tio Kelly, e depois as duas etapas da Europa, para chegar ao Havaí campeão do mundo.

O problema é que o Medina ‘made his move’. São dois excepcionais talentos, um Medina, mais experiente, bem focado, já veterano vencedor na Europa e que conta com todo arsenal de manobras possíveis. O outro, Filipinho, vai com tudo no rancho.

O negócio se resumirá no critério de pontuação e julgamento das ondas na piscina de ondas artificiais. Vamos ver o que eles vão aprontar por lá. Deve ser muito complicado – quantas direitas e esquerdas para cada um? Quanto tempo de treinamento? Aéreos e tubos terão pontuação diferente? Será aquele critério complicado do evento de maio passado? Vai dar confusão, aviso desde já.

Critério de avaliação de notas no Surf Ranch promete polêmica.WSL / Rowland
Critério de avaliação de notas no Surf Ranch promete polêmica.

Notas

– Todos os jornalistas que li (Surfline, Surfer e Tracks) foram unânimes e consideraram que o Jessé Mendes foi prejudicado na sua última bateria em Teahupoo contra Wade Carmichael.

– Nessas cinco temporadas, desde que Medina foi campeão mundial, ele esteve em 18 finais. Foram 55 etapas, ou seja, 33% dos eventos de surfe profissional o Medina chegou à final – venceu dez e perdeu oito, sendo que três deles foi mortalmente garfado. Números surpreendentes.