Iceberg

Sustentabilidade e responsabilidade

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“A indústria da moda é a segunda mais poluente, somente atrás da indústria petroquímica”. Foto: Reprodução.

Quando pensamos em poluição, a primeira imagem que nos vêm à cabeça é a fumaça escura e densa saindo das chaminés das fábricas petroquímicas e usinas de energia, dos escapamentos dos carros. Ou a sujeira industrial e residencial que polui os rios e os oceanos. Estes exemplos não deixam de ser realidade. Nunca imaginaríamos que as roupas que vestimos poderiam ser, de fato, um dos grandes vilões dessa história.

“A indústria da moda é a segunda mais poluente, somente atrás da indústria petroquímica” (Eileen Fisher)

Esta é uma afirmação que não se pode comprovar. Determinar precisamente o impacto de todos os processos envolvidos na produção de uma peça de roupa se torna um desafio colossal. A indústria da moda é um negócio extremamente complexo. Envolve uma longa e variada logística de produção de matérias primas, fabricação e tingimento de fibras e tecidos, corte e costura e construção das roupas e acessórios, transporte e distribuição, lojas e comércio, uso e lavagem e, finalmente, o descarte no aterro de lixo, onde a degradação leva anos para acontecer completamente.

Em geral, temos que considerar não somente os poluentes óbvios, como pesticidas usados nos plantio do algodão, inúmeros produtos tóxicos utilizados no tingimento e fabricação das fibras sintéticas e a enorme quantidade de lixo resultante do descarte, mas temos que ver também a exorbitante quantidade de recursos naturais processada e utilizada na extração, no plantio, na colheita, na produção, na confecção e no transporte.

Embora o algodão, principalmente o orgânico, pareça ser a escolha correta para produzir uma camiseta e uma calça jeans como as que você está usando agora, são necessários aproximadamente 15 mil litros de água. A fibra do algodão representa em torno de 40% do total utilizado na indústria da moda. Em termos de plantio em grande escala, não orgânica, o algodão representa cerca de 2,5% da agricultura mundial e ele sozinho consome 10% de toda  a adubação química e 25% dos inseticidas. Ambos são produtos de alta toxicidade que penetram no solo, atingindo os lençóis freáticos e inevitavelmente acabam nos rios e no oceano.

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Todo esse impacto poderia ser diminuído ou eliminado, basicamente, por meio da redução do consumo desnecessário e correta separação e destinação do lixo. Foto: Reprodução.

A produção das fibras sintéticas, por outro lado, embora não consuma tanta água, causa a emissão de muitos gases altamente poluentes e, por ser derivada do petróleo, é de natureza insustentável. Estima-se que, em 2016, foram produzidas 60 milhões de toneladas de poliéster, um subproduto do petróleo.

Os processos atuais de tingimento são um sério problema tanto em termos de consumo de água quanto de dispersão de poluentes. Calcula-se que mais de um trilhão de litros de água são utilizados no processo de tingimento de tecidos e roupas a cada ano. A água residual é despejada frequentemente sem tratamento nos rios e riachos e chegam aos oceanos, eventualmente se dispersando pelo planeta.

Perspectivas não muito animadoras

Embora não exista uma solução imediata para tudo isso, podemos adotar algumas práticas desde já para reduzirmos a pegada de carbono desta indústria, e esperar que as lideranças criativas na indústria da moda tenha finalmente reconhecido seu papel em prover ao mundo produtos sustentáveis e de responsabilidade sócio econômica e ambiental.

Oitenta por cento do impacto ambiental na indústria da moda são determinados na fase de design. Isso inclui a otimização da produção de forma a reduzir a perda de material (desperdício zero, ou zero-waste) com modelagens e modelos adequados, a escolha de matérias primas sustentáveis e a utilização de corantes naturais biodegradáveis.

Ao criar produtos com melhor qualidade, a indústria do vestuário estende a vida útil do que vestimos. Repensar o processo de se desenhar e desenvolver um produto de forma que este possa ser reciclado no futuro (produtos que durem mais do que uma geração) é fundamental.

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“Em geral, temos que considerar não somente os poluentes óbvios, como pesticidas usados nos plantio do algodão, inúmeros produtos tóxicos utilizados no tingimento e fabricação das fibras sintéticas e a enorme quantidade de lixo resultante do descarte”. Foto: Reprodução.

A WRAP (Waste and Resouces Action Programme) foi criada em 2000 para promover o gerenciamento de resíduos e lixo sustentável, e recentemente lançou um guia prático para reforçar a qualidade e a durabilidade das roupas. Hoje pensamos nos produtos com prazo de uma vida, quando deveríamos ter em mente que algumas matérias-primas levam milhões de anos para se formar e mais uma centena de anos para se decompor. Ou seja, precisamos pensar em muito longo prazo.

Upcycling“ é a melhor maneira de se reciclar. O conceito de Moda UPCYCLING consiste na utilização de materiais descartados ou roupas e acessórios pré-existentes, reconstruindo em produtos novos. Imagine que assentos e pneus de automóveis, mangueiras de bombeiros (Elvis and Kresse), se transformar em bolsas, ou pontas de tecidos de produção se transformar em camisas e vestidos. Aqui, as alternativas são ilimitadas e só irá depender da criatividade de cada um.

Processos de reciclagem de tecidos

Há dois processos diferentes de reciclagem de fibras: o “Mechanical Fibre Recycling”, que reduz a qualidade da fibra a cada reciclagem (Downcycling) e o “Chemical Fibre Recycling”, que em alguns casos produz fibras melhores ou iguais às originais. As fibras naturais, como o algodão e a lã, hoje mais disponíveis para reciclagem, entram na primeira categoria, resultando em fibras mais curtas de qualidade inferior à da fibra original. Para melhorar a qualidade dessas fibras é necessário que elas sejam misturadas com fibras originais. Já no “Chemical Fibre Recycling”, fibras sintéticas como o poliéster e alguns tipos de nylon podem ser reprocessados. O desafio ainda está em reciclar tecidos de composição mista, e empresas como a WORN AGAIN estão investindo para que isso se torne uma realidade.

Utilização de corantes naturais e biodegradáveis e novas tecnologias

Novas técnicas de tingimentos sem a utilização de água e sem contaminação dos sistemas freáticos estão sendo desenvolvidas (DyeCoo, ColorZen and AirDye).

Os resultados são a redução do desperdício de água, eletricidade, produtos químicos e dejetos tóxicos num grau nunca antes visto, que poderá revolucionar a indústria têxtil. Porém no momento, o fator econômico prevalece pois a indústria têxtil é vista como sendo de baixo custo em industrialização nos países, significando infelizmente que as tecnologias  baratas são usadas mesmo que uma tecnologia superior exista.

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Avião aplica agrotóxico sobre plantação de algodão. Foto: Reprodução.

Outra solução é incrementar a utilização de fibras naturais alternativas na fabricação de tecidos, extraídas de plantas que consomem menos água e que têm uma maior resistência natural a pragas, tais como o Sisal, o Hemp, o linho e o bambu.

A NRDC (Natural Resources Defence Council), grupo internacional sem fins lucrativos que promove a defesa ambiental, baseado em Nova York, por exemplo, tem um programa focado em reduzir o desperdício de tecidos e a redução da emissão de gases no processo de fabricação dos mesmos, tingimentos e acabamentos.

O programa “Clean by Design”, criado em 2009, conta com a parceria de empresas grandes no setor de moda como a H&M, Target, GAP , Levi’s e Stella McCartney/ Kering, e é focado em 10 ações para a indústria têxtil, de baixo custo e simples implementação, com rápidos retornos financeiros. São 4 ações para economizar água, 5 para se economizar combustível e uma para se economizar eletricidade. Para se implementar o programa, é necessário a instalação de medidores e programas de computador para rastrear o consumo de água, vapores e consumo de eletricidade no processo e também em cada maquinário.

Em 2015, a NRDC acredita ter economizado 61 mil toneladas de carvão e uma média de 4% de energia elétrica em algumas centenas de fábricas onde o programa foi implementado.

A indústria da moda tem um importantíssimo papel de esclarecer e conscientizar as pessoas sobre os efeitos das mudanças climáticas que vêm ocorrendo no planeta. E também em liderar investimentos e soluções para um planeta melhor.

Mas a solução não está somente em uma comunidade empresarial consciente ou em medidas regulatórias dos governos. A demanda, quem consome estes produtos – nós – também têm um papel fundamental. O grande desafio é fazer com que estes três agentes se alinhem e trabalhem juntos, viabilizando a construção de um planeta sustentável para as futuras gerações.

Acima de todas as iniciativas está a responsabilidade de cada um de nós em tomar medidas que gerem ganhos positivos para o meio ambiente, para a economia, para nossa cultura e para a humanidade como um todo.

Jun Hashimoto
Jun Hashimoto foi um dos pioneiros do skateboarding no Brasil e campeão brasileiro de pistas no fim dos anos 70. Designer e criador da marca Stanley nos anos 80, Jun foi convidado a trabalhar na Austrália para a marca de surfwear Rip Curl em 1992. Também foi colunista da Revista Fluir. Hoje baseado em Byron Bay, Austrália, é consultor de moda e trabalha com design e desenvolvimento de produto, focado na sustentabilidade e inovação nas áreas de tecnologia têxtil e vestuário.